Florestan Fernandes, 20 anos depois – um exercício de memória Organizadores: Vera Alves Cepêda, Thiago Mazucato São Carlos: Ideias Intelectuais e Instituições: UFSCar, 2015.
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Apresentação
Abordar a obra e o pensamento de Florestan Fernandes é uma tarefa de envergadura que exige fôlego intelectual. Pesa nessa empreitada a extensão temporal da produção intelectual do autor, sua importância na consolidação do método para as investigações da ciência social (recepcionando no contexto nacional as grandes escolas internacionais), suas elaborações sobre a trajetória social e política brasileira e sua importância pessoal no grupo dos grandes pensadores brasileiros, bem como sua participação efetiva no processo político a partir da década de 1980. Muitas pesquisas e trabalhos foram produzidos nas últimas décadas sobre a obra de Florestan, seu marco teórico, sua relevância para a institucionalização das ciências sociais, seu papel de intelectual público e também enquanto ator político. Neste livro, organizado para lembrar os 20 anos de sua morte, apresentamos algumas dessas contribuições investigativas sobre a obra, o homem e o legado de Florestan. Este livro constitui-se numa tentativa de elaborar uma contribuição para o conjunto de estudos e pesquisas, principalmente em pensamento político e social brasileiro, sobre este importante autor.
A gênese deste livro tem um percurso original, somando leitos que desaguaram na proposta de publicação. O primeiro ponto é a presença na Universidade Federal de São Carlos do acervo de Florestan Fernandes, como coleção especial da Biblioteca Comunitária-BCO, com manutenção completa de sua biblioteca no formato original e preservação de toda a marginália de anotações e comentários produzidos pelo autor no tratamento dessa bibliografia. Um segundo ponto, é a forte presença do debate sobre a obra de Florestan e sobre o contexto político e social de sua laboração desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa “Ideias, Intelectuais e Instituições” (CNPq), vinculado à linha de pesquisa Teoria e Pensamento Político do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar (PPGPol/UFSCar). Neste grupo, as tarefas da intelligentsia, as interpretações sobre a formação do Brasil, a aposta do desenvolvimento e seus limites, e o papel das instituições democráticas em situação de subdesenvolvimento, obrigatoriamente perpassa pela pesquisa e reflexão sobre o importante legado florestaniano.
Por último, e não menos importante, ressaltamos o interesse despertado no curso de graduação em Ciências Sociais, que levou os estudantes a darem o nome do autor à revista por eles organizada e publicada – Revista Florestan (Revista da graduação em Ciências Sociais da UFSCar) – cujo primeiro nú- mero foi exatamente o dossiê temático sobre a personalidade que empresta seu nome à publicação, abordando aspectos de sua trajetória e de sua produção intelectual, quer no campo das contribuições à Sociologia, à Ciência Polí- tica e à Antropologia. Da motivação dos alunos surgiu também a conferência de abertura da XII Semana de Ciências Sociais da UFSCar (2014), proferida pelo Prof. Dr. Gabriel Cohn, intitulada Florestan Fernandes: grandes dilemas, grandes interpretações, e a conferência de abertura da XIII Semana de Ciências Sociais da UFSCar (2015), proferida pelo Prof. Dr. Bernardo Ricupero, com o título Florestan Fernandes e as Interpretações do Brasil (no âmbito da lembrança dos 20 anos de falecimento de Florestan Fernandes).
A somatória desses percursos resultou na ideia de publicação deste livro, apanhado de vários trabalhos sobre o autor. São nove textos, abordando diversas facetas do legado intelectual de Florestan Fernandes. Agradecemos, e muito, aos autores que aceitaram dividir conosco esta empreitada e que ficaram mais animados pela perspectiva da publicação ser de circulação livre.
O primeiro capítulo, intitulado Florestan Fernandes, um sociólogo socialista, é de autoria de Heloísa Fernandes, socióloga e filha de Florestan. Este material já fora republicado no primeiro número da Revista Florestan, em 2014, todavia, dada a sua importância e expressividade, a professora Heloísa Fernandes nos autorizou a reproduzi-lo nesta publicação. Além de constituir-se num importante relato da trajetória intelectual e política de Florestan Fernandes, este “depoimento forte” de Heloísa nos apresenta importantes aspectos subjetivos que marcaram não somente a obra, mas também a vida de Florestan.
No capítulo seguinte, intitulado Florestan Fernandes – grandes problemas, grandes interlocutores, o autor, Gabriel Cohn, nos fornece uma série de pistas para compreendermos as opções intelectuais de Florestan Fernandes, de quem ele próprio fora aluno. Uma aproximação entre a academia e a sociedade, entre teoria e praxis, ou ainda, entre ciência e política, são traços marcantes da obra de Florestan apontados por Cohn neste texto.
Em seguida temos o capítulo intitulado Florestan Fernandes e as Interpretações do Brasil, de autoria de Bernardo Ricupero. Não apenas aspectos relevantes da obra e da trajetória de Florestan são apontados, como também elementos imprescindíveis do debate intelectual brasileiro, que podem ser observados principalmente numa perspectiva comparada quando se analisa os temas e problemas levantados por Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, dentre outros.
No quarto capítulo, intitulado Ciência, intelligentsia e democracia no centro e na periferia: o diálogo teórico de Karl Mannheim e Florestan Fernandes, de autoria de Vera Alves Cepêda e Thiago Mazucato, os autores apresentam uma análise cujo enfoque é a recepção e circulação de ideias, utilizando-se de um caso bastante expressivo e reconhecido no pensamento político e social brasileiro: a recepção, os usos e ressignificações que Florestan Fernandes promove, no cenário intelectual brasileiro, de autores clássicos europeus e norte-americanos, com destaque para o húngaro-alemão Karl Mannheim. Os autores situam esta recepção dentro do repertório da época, destacando o peso que a situação de subdesenvolvimento impactou no diálogo com as teses mannheimianas – quer na sua Sociologia do Conhecimento, quer na função social da ciência e papel dos intelectuais, quer na questão dos controles democráticos em momentos de planejamento.
No capítulo seguinte os autores Alejandro Blanco e Luiz Carlos Jackson discutem, em uma perspectiva comparada, a trajetória de Florestan Fernandes no espelho de Gino Germani. O cenário intelectual e político brasileiro e argentino são colocados em discussão, onde podemos observar, dentre tantas outras coisas, que no movimento de institucionalização das Ciências Sociais – cujas figuras expressivas foram Gino Germani na Argentina e Florestan Fernandes no Brasil – houve uma recepção de autores clássicos que contribuiu para delimitar o campo das ciências sociais nestes países, assim como para dar forma a um projeto moderno de ciências sociais a ser praticado na academia.
A seguir, no capítulo Padrão e Salvação – o debate Florestan Fernandes x Guerreiro Ramos, o autor Edison Bariani discute um importante momento da consolidação e legitimação das Ciências Sociais no Brasil, em que duas tradições intelectuais se enfrentavam – grosso modo, uma tradição paulista, encabeçada por Florestan Fernandes, e uma tradição carioca, liderada por Guerreiro Ramos – para estabelecer os padrões científicos e as fronteiras entre ciência e política.
Temos então, no capítulo intitulado A Sociologia como artesanato intelectual, de autoria de Diogo Valença de Azevedo Costa, uma continuidade no tratamento das discussões realizadas nos capítulos anteriores, aproximando a perspectiva da recepção e circulação de ideias com a da consolidação e legitimação das Ciências sociais no Brasil. O autor procede a esta análise através do diálogo teórico entre Florestan Fernandes e Wright Mills principalmente através do conceito de artesanato intelectual.
Encerrando os capítulos analíticos da obra de Florestan Fernandes, Aristeu Portela Júnior e Eliane Soares Veras discutem em Dilema racial, nação e “brasilidade” um aspecto da obra de Florestan Fernandes que provavelmente fora o mais relevante em sua trajetória intelectual, contribuindo, já na década de 1950, para alavancar a sua carreira de sociólogo: trata-se de seus estudos sobre a questão racial no Brasil.
Por fim, pulicamos o trabalho de Claudia de Moraes Barros de Oliveira e Lívia e Lima Reis intitulado O Acervo Florestan Fernandes na Biblioteca Comunitária da UFSCar. Neste texto as autoras, responsáveis no momento pela preservação e manuseio do acervo, nos oferecem a descrição da história de obtenção e organização do acervo, apresentando a síntese e natureza do variado material ali presente: os livros da biblioteca pessoal de Florestan, milhares de fichamentos realizados pelo autor sobre as obras lidas e trabalhadas ao longo de sua própria produção intelectual, as cartas, objetos pessoais, os prêmios recebidos, entre outros itens de interesse de biógrafos e pesquisadores da obra e do intelectual.
Na produção e publicação deste livro pudemos contar com o auxílio e apoio de vários parceiros. Gostaríamos de agradecer o apoio imprescindível de cada um dos autores que colaboraram para realização desta coletânea, e em especial à Revista Sociologia e Antropologia, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e à Revista Florestan – Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal de São Carlos, por autorizarem a reprodução de dois importantes textos deste livro (respectivamente, os capítulos Florestan Fernandes no Espelho de Gino Germani e Florestan Fernandes, um sociólogo socialista). Agradecemos também o apoio do DeCORE (Departamento de Coleções e Obras Raras e Especiais), da Biblioteca Comunitária da Universidade Federal de São Carlos, que não somente colaborou com um dos capítulos que compõem a presente publicação, como também pelo trabalho de coleta e seleção de materiais para o referido capítulo. Ao Centro Internacional Celso Furtado somos profundamente gratos pela disposição em hospedar a versão eletrônica deste livro em seu site, permitindo assim o acesso livre, gratuito e democrático de todos aqueles interessados no tema.
São Carlos, 10 de agosto de 2015.
Sumário
Florestan Fernandes, 20 anos depois – um exercício de memória
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