Folha de São Paulo, MERCADO, sábado, 12 de março de 2011
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CRÍTICA POLÍTICA ECONÔMICA
Livro resgata o Plano Trienal de Celso Furtado
Quarto volume da coleção traz também a íntegra do documento.
O economista Celso Furtado (1920-2004)
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Crescer, reduzir a inflação, distribuir os frutos do desenvolvimento, fazer reformas amplas. Com esses parâmetros na cabeça, Celso Furtado produziu em dez semanas o Plano Trienal. Na "Voz do Brasil" de 31 de dezembro de 1962, o presidente João Goulart anunciou publicamente o projeto, utilizando-o como peça de campanha política.
Seis dias depois ocorreria o plebiscito que traria de volta o presidencialismo. Atacado pela esquerda e pela direita, o plano não sobreviveu à virada de semestre. O país estava à beira do golpe militar.
O quarto volume da coleção "Arquivos Celso Furtado", que acaba de chegar às livrarias, trata desse momento tão delicado da história. O livro, editado pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento e pela Editora Contraponto, tem o mérito de trazer a íntegra do Plano Trienal, documento raro em bibliotecas. Da sua leitura se sai entendendo melhor o Brasil daquele tempo e o de agora.
MENTALIDADE COLONIAL
Primeiro ministro do Planejamento, Furtado argumentava que não era necessário frear o crescimento (na casa dos 7%) para segurar a inflação (de 50%). Atacava a "mentalidade colonial" dos que achavam que o Brasil só poderia se desenvolver "carregado nas costas" pelos EUA. Defendia que com planejamento o país poderia progredir de maneira sólida, eliminando gargalos e distribuindo renda.
Seu plano fazia um diagnóstico detalhado das condições econômicas e sociais do momento. Apresentava os grandes números e projetava em minúcias o que se precisava, tanto em salas de aula, quanto em fábricas e minas.
Vivendo a ressaca da criação de Brasília, o Brasil via despencar o preço das suas commodities, no momento em que precisava de divisas para importação de petróleo e das máquinas necessárias para a jovem indústria. O endividamento externo preocupava e a Crise dos Mísseis agudizava a Guerra Fria.
Furtado identificou a necessidade de reformas profundas: administrativa, bancária, fiscal e agrária. Queria modernizar o Estado, agir contra a concentração de bancos, distribuir melhor a carga tributária -taxando o supérfluo e incentivando o investimento- e reduzir o poder dos grandes proprietários de terra. Previa também uma reforma universitária e um estatuto para disciplinar o capital estrangeiro.
A professora Maria da Conceição Tavares faz o seu diagnóstico: "Não há dúvida de que Celso Furtado foi derrotado sobretudo nos pontos referentes às reformas agrária, do capital estrangeiro e bancária. Não por acaso, trata-se da resistência implacável das três maiores fontes de poder econômico no Brasil e no mundo contemporâneo".
As pressões políticas e econômicas são expostas em artigos que compõem o volume. Pedro Zalluth Bastos descreve as circunstâncias críticas nas quais o plano foi gerado. Diz: "É bastante provável que Furtado não tenha previsto que a economia estava entrando em fase de recessão aguda por conta da capacidade ociosa gerada pelo Plano de Metas".
Essa discussão sobre uma possível inclinação recessiva do plano é pouco tratada no volume. Ricardo Bielschowsky, no seu "Pensamento Econômico Brasileiro" (1988), é taxativo: "Independentemente da vontade de Furtado, o Plano Trienal tornou-se essencialmente um instrumento recessivo".
SEM TEMPO
Não houve tempo para a implantação do plano. Goulart afastou Furtado e o golpe veio em meses. Ao avaliar a sequência dos fatos, Bastos constata: "O sentido político e o impacto distributivo do programa de reformas da ditadura militar era inverso ao furtadiano: basta lembrar que o salário mínimo real caiu 35% entre fevereiro de 64 e março de 67".
Já Robert Daland mergulha na ação norte-americana e nas fissuras dentro do governo Goulart -que acabou aumentando os salários acima do que preconizava o plano. "A história do Plano Trienal mostra claramente que o Brasil no governo Goulart dava mais valor ao desenvolvimento do que ao controle da inflação, como desejava a política dos EUA", escreve.