No dia 13 de fevereiro, Rosa Freire d’Aguiar, presidente do Conselho Deliberativo do Centro Celso Furtado, fez uma palestra na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, sobre a coleção “Arquivos Celso Furtado”, por ela dirigida. A convite do professor Afrânio Garcia, antropólogo radicado na França e pesquisador do Centre Européen de Sociologie et Science Politique, Rosa falou para os estudantes franceses e brasileiros que frequentam as conferências semanais do “Groupe de Réflexion sur le Brésil Contemporain”. Criado pelo professor Ignacy Sachs em 1981, na Fondation de la Maison des Sciences de l’Homme, esse grupo de trabalho tem hoje Afrânio Garcia como um de seus coordenadores.
Herdeira dos arquivos de Celso Furtado, Rosa lembrou que tão necessária como a reedição de seus livros era a divulgação de documentos de seus arquivos pessoais. “Não se trata apenas de publicar arquivos mortos, mas de resgatar a atualidade subjacente a eles, como contribuição ao debate em torno das idéias de Celso. Afinal, como ele mesmo escreveu, ‘nem sempre as ideias ficam obsoletas com o passar do tempo; por vezes, ganham em vigor’. Explicou que Celso Furtado saiu da Paraíba aos 19 anos, para cursar a faculdade de Direito no Rio de Janeiro, e daí iniciou uma série de longas permanências no exterior, na Itália, como oficial da FEB (1944-45), em Paris, onde se doutorou pela Universidade de Paris (1946-48), no Chile, como funcionário da Cepal (1949-57), no Nordeste, como Superintendente da Sudene (1958-64), e nos Estados Unidos e na França, durante o longo exílio (1964-85). Paradoxalmente, sua ausência do Brasil levou sua família a guardar, e não dispersar, seus arquivos de épocas passadas. Assim, seus documentos pessoais se preservaram muito mais do que seria de esperar numa vida atribulada de tantas mudanças de cidades e continentes.
Grande parte desses arquivos se destacam pela raridade e pela riqueza histórica, como os referentes à Segunda Guerra Mundial, aos primórdios da Sudene e à convivência de Celso Furtado com os presidentes Kubitschek, Janio Quadros e João Goulart, à criação do Ministério do Planejamento (ele foi o primeiro titular do cargo), à consolidação e ocupação do Ministério da Cultura, à correspondência trocada com intelectuais e economistas europeus e latino-americanos desde os anos 1950 etc. É este acervo de inestimável valor, composto de originais de obras suas, textos inéditos, centenas de entrevistas, fotos, correspondência enviada e recebida, recortes de imprensa, documentos ligados à história do Brasil na segunda metade do século XX, que forma a base da coleção Arquivos Celso Furtado. Rosa falou sobre os critérios que, a seu ver, balizam esse projeto de transmissão de uma herança intelectual. Esta não se faz só por textos, mas também por contextos. Daí sua ideia de, para cada número de “Arquivos...”, pedir a um especialista no tema tratado (a coleção é temática) um artigo que situe a importância dos documentos de Celso Furtado ali reunidos: seu valor no tempo passado e/ou sua atualidade para o tempo presente. Outro marca dessa coleção é, a cada número, o texto por ela escrito a partir de cartas de Celso que estão sob sua guarda. As cartas, conforme explicou, são dirigidas a amigos, familiares, pesquisadores, e costumam ser extremamente reveladoras de seu estado de espírito no momento. Esses textos que Rosa prepara para cada volume, necessariamente mais subjetivos, também são fruto de suas inúmeras conversas com Celso a respeito de seus arquivos.
A coleção “Arquivos Celso Furtado”, criada em 2008, e que desde então vem publicando um número por ano, é uma coedição do Centro Celso Furtado e da editora Contraponto. Até agora foram lançados:
— Arquivos 1: Ensaios sobre a Venezuela: o subdesenvolvimento com abundância de divisas. (Estudo de Rosa Freire d’Aguiar sobre correspondência Celso Furtado-colegas da Cepal em 1957-58; textos inéditos de Celso Furtado: “Estudo sobre a Venezuela”, de 1957, em que antecipa a “doença holandesa”; “Notas sobre a Venezuela”, de 1974; artigo “Celso Furtado e o desenvolvimento a partir dos recursos naturais não renováveis”, de Abdel Sid Ahmed, especialista nas economias árabes petroleiras, etc.)
— Arquivos 2: Economia do desenvolvimento: curso dado na PUC em 1975. (Estudo de Rosa Freire d’Aguiar sobre correspondência de Celso Furtado na época; Curso ministrado por ele na disciplina “Economia do desenvolvimento” na Sorbonne, e adaptado para ser ministrado na PUC de São Paulo; artigo de Bresser-Pereira, um dos alunos do curso; dois textos inéditos, sobre “A economia brasileira de 1850 a 1914” e sobre “A industrialização periférica”; longa entrevista ao Jornal da Tarde.)
— Arquivos 3: A saga da Sudene e o Nordeste. (Publicado em 2009, nos 50 anos da criação da Sudene, traz dois pequenos livros escritos na época: “Operação Nordeste” e “Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste” — conhecido como Relatório do GTDN —, documentos raros como o discurso de posse; notas de uma entrevista feita pelo economista Albert Hirschman com Celso Furtado em 1960; e depoimento de Francisco de Oliveira para a CPI da Sudene, instaurada em 1978)
— Arquivos 4: O Plano Trienal e o Ministério do Planejamento (Versão integral do Plano Trienal; estudos e esboços de Celso Furtado para a criação do Ministério do Planejamento; entrevista de João Goulart sobre o Plano Trienal; resenha de imprensa mostrando a batalha ideológica em que se debatia o país no momento de elaboração e apresentação do Plano Trienal durante o governo Jango, etc.)
— Arquivos 5: Ensaios sobre a cultura e o Ministério da Cultura (Introdução de Rosa Freire d’Aguiar sobre a cultura na obra de Celso Furtado; textos de Celso Furtado produzidos nos 3 anos em que foi ministro da Cultura (1986-88); nos 3 anos em que foi o único brasileiro membro da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da ONU/Unesco (1992-95); em que foi membro da Academia Brasileira de Letras; entrevistas da época; textos de colaboradores seus, etc.)
Rosa Freire d’Aguiar concluiu sua fala anunciando os próximos números de “Arquivos...”: um de entrevistas de Celso Furtado, com destaque para uma conversa com o historiador Fernand Braudel; e um com seus textos do que ela chama de “Anos de Formação”, anteriores a seu percurso de economista.