www.centrocelsofurtado.org.br


Pensando as cidades médias do Nordeste.


Imprimir



 

De 5 a 8 de outubro realizou-se no auditório da reitoria da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, o seminário Cidades de porte médio no Brasil: espaços em transição, organizado pela Rede Brasileira de Estudos sobre Cidades Médias (RedBCM), a UFAL e o Centro Celso Furtado.
 


 

Na conferência de abertura, em presença de Ana Dayse Rezende Dória, reitora da UFAL, Marcos Costa Lima, coordenador da Rede, Rosa Freire d’Aguiar, diretora do CICEF, Luiz Antonio Palmeira Cabral, coordenador da Faculdade de Economia, Fabio Guedes, da UFAL e coorganizador do seminário e , do Ministário da Integração Nacional professora Tânia Bacelar (UFPE) falou sobre a recente evolução econômica do Nordeste.
 
Começou destacando o peso que aí tiveram as políticas públicas nos últimos dez anos: “o padrão de crescimento favoreceu o Nordeste, com elevação da renda familiar e aumento do salário mínimo, que foi desvinculado dos demais”. Lembrou que 55% das verbas do bolsa-família vão para o Nordeste, mas convém não esquecer que 25% vão para o Sudeste: “No Brasil a pobreza tem dois grandes endereços: a zona rural do Nordeste e a periferia das grandes cidades, em especial do Sudeste”. O aumento do salário mínimo e a política de crédito puxaram a demanda popular, mas também a de bens de consumo modernos, como tv a plasma, motos, e máquinas de lavar — que a bem humorada professora classificou como “a maior conquista feminina depois da pílula”, levando a plateia aos risos. Essa combinação fez o crescimento do comércio varejista ficar, no Nordeste, acima da média nacional.
 
Ela também destacou, nesta primeira década, outros fatores muito positivos: a) a retomada da criação de empregos formais, liderada por Norte e Nordeste; b) o fato de o Nordeste ter voltado a atrair investimentos de fábricas do Brasil e do exterior; c) as obras do PAC (Transnordestina, transposição do São Francisco, adutoras, linhas de transmissão, construção civil), que têm sido importante fator de desenvolvimento da região; d) a interiorização das universidades e centros de ponta, como o Instituto de neurociência em Natal, que são investimentos estratégicos para a região; e) as atividades tradicionais do velho Nordeste, como os complexos alcooleiro e gado/algodoeiro, terem se reciclado ou perdido peso. O quadro é promissor, e o Nordeste mudou para melhor, não há dúvida. Mas Tania alerta: “A velha herança ainda pesa muito. Com todas as melhoras, o Nordeste ainda continua a ter 28% da população e apenas 13% do PIB brasileiro, e aqui a média de estudos é 6,3 anos, contra quase 8 no resto do país. Há muito o que fazer.”
 
Na mesa sobre o novo contexto das políticas públicas brasileiras, Fernando Pedrão (IPS, Salvador) salientou que tem havido uma perda de historicidade das análises quando se fala de políticas públicas. Propõe resgatar essa dimensão histórica. E contesta a divisão entre cidades médias e grandes. Deve-se partir, a seu ver, do processo de urbanização: “Não é possível separar as cidades de diversos tamanhos; houve um primeiro momento de urbanização colonial, com cidades criadas no interior pela própria razão de ser do processo colonial”. Francisco Assis Costa (Ipea) ressaltou a falta de cientistas sociais que tratem da dimensão regional: “eles são a minoria, formamos pouca gente em comparação com as necessidades”, e concordou com Tânia Bacelar, que na véspera observara que as melhorias sentidas no Nordeste não se deveram tanto às políticas regionais propostas pelo Ministério da Integração, mas às políticas setoriais e sociais de outros órgãos governamentais. Marcos Costa Lima (UFPE) concordou com o ponto de vista do representante do Ipea, e afirmou que “falta capacitação dos quadros locais nas cidades médias, pois o poder e saber acadêmicos não chegam a quem mais sente falta deles.”
 
Este hiato entre os que produzem conhecimento e os que dele precisam na prática foi um dos eixos recorrentes das discussões acadêmicas do seminário.
 
Outro aspecto que surgiu em várias exposições das cinco mesas redondas foi a carência de quadros para planejarem as cidades médias do Nordeste. Luciano Barbosa, prefeito de Arapiraca (220 mil habitantes, cidade média de Alagoas), queixou-se do desmantelamento da máquina pública e da falta de um conjunto de pessoas que estudem os problemas de médio e longo prazo. “Temos carência de dados econômicos e sociais, no nosso caso tivemos de ir buscá-los no setor privado.” Também se queixou da extrema dependência do poder central: “Precisamos de um deputado que encaminhe nossos pedidos junto aos ministérios. Eles ficam como boys de luxo”. A falta de recursos e quadros também foi apontada por Geraldo Jr, secretário de Planejamento de Petrolina, cidade média de Pernambuco, que hoje deve sua pujança ao fato de estar inteiramente voltada para a exportação do comércio de frutas.
 
Interessada em dialogar com outras redes de cidades médias, no Brasil e na América Latina, a RedBCM convidou a argentina Susana Sassone, do Conicet (o órgão de promoção de ciência e tecnologia da Argentina) para falar da questão metropolitana na Argentina. Depois de dar um panorama das cidades médias e da política de desenvolvimento territorial em seu país, Susana explicou que ali o quadro era um pouco distinto do brasileiro, pois se aqui, pelo IBGE, as cidades médias têm entre 100 mil e 500 mil habitantes, lá as médias são as que têm de 20 mil a 150 mil habitantes, o que perfaz um total de 128 cidades, que se beneficiam atualmente de um plano estratégico que irá até 2016, com fortes investimentos no setor de construção e programas públicos de habitações sociais.
 
Carlos Brandão (UFFRJ) falou do Observatório de Desenvolvimento Regional que está criando em parceria com o Centro Celso Furtado, e voltou a insistir, como outros palestrantes, que o mais importante, no Brasil, é “fazer chegar as políticas públicas ao cotidiano das pessoas”. “O Estado tem que chegar à vida cotidiana, ao place, como se diz.” Lembrou que o momento mais forte em que, em nossa história, o Brasil legitimou uma política de planejamento regional foi quando Celso Furtado esteve à frente da Sudene, de 1958 a 1964. Agora, “pela primeira vez o Brasil está crescendo com distribuição de renda, e ainda assim é uma máquina de gerar desigualdades”, alertou Brandão. Terminou sua fala deixando três perguntas para as reflexões dos membros da RedCMB e para os 370 inscritos no seminário que lotaram o auditório da Reitoria: “qual o poder do Estado? qual o poder do poder privado? qual o poder das forças sociais?”
 
Na mesa sobre Inserção federativa e planejamento urbano das cidades médias, Marco Antonio Gouveia, do Ministério da Cultura, apresentou o recém-elaborado plano de economia criativa, que pretende incentivar diversos setores que, mais ainda nas cidades médias, são capazes de produzir bens e serviços de dimensão cultural e criativa, tais como manifestações populares em torno de celebrações e festejos, artesanato, gastronomia, artes visuais, arquitetura, design. O objetivo é ampliar a participação da cultura no desenvolvimento socioeconômico das cidades médias.
 
Justamente sobre a gestão das cidades médias, Jair do Amaral (UFCE) tentou primeiramente refinar o próprio conceito de cidade média, que a seu ver deve responder, para além da questão puramente demográfica, a papéis específicos: a) descentralizar atividades econômicas concentradas nas metrópoles; b) controlar o fluxo migratório entre as pequenas cidades e as metrópoles; c) satisfazer o mito de que oferece ótima qualidade de vida. Jair sabe que isso nem sempre é garantia de “receita de sucesso”, pois pode resultar num “círculo virtuoso” ou num “círculo vicioso”. E também porque a cidade média, muitas vezes, se vê como “uma adolescente”, ou seja, “quer logo se tornar adulta”, isto é, “virar grande”. À guisa de sugestão, para gerir esses arquétipos altamente complexos, apresentou modelos alternativos de gestão, que podem, separados ou em conjunto, ajudar a enfrentar os problemas das cidades médias: a) participação social (como o orçamento participativo); b) redes sociais por internet (modelo M. Castells); c) municipalização libertária (Bookchin); d) “olhos atentos dos moradores” (Jane Jacobs); e) ação comunitária,iniciativas individuais.
O seminário teve em sua última tarde um workshop com exposições de membros da RedCMB sobre experiências de diversas cidades médias do Nordeste, como Caruaru, Campina Grande, Cachoeira/São Felix, Crato/Juazeiro/Barbalha etc.
 
A conferência de encerramento ficou a cargo do professor Wilson Cano (Unicamp). Ele lembrou que, por força da guerra fiscal e da onda neoliberal, nos anos 1990 cortou-se a política regional que vinha sendo feita e a indústria de transformação foi a que menos cresceu. Com o governo Lula, o Estado teve a coragem de pôr em prática políticas públicas sociais, como o bolsa-família, e recompôs um pouco a perda do salário mínimo. “Assim, nos anos 2001-2011 as emigrações nordestinas caíram quase à metade do que eram. O conjunto da bolsa-família, do aumento de salário mínimo e da aposentadoria rural foi responsável por essa mudança e pela implantação de outro modelo de desenvolvimento regional e urbanização.”
 
Assim como Tânia Bacelar frisara na abertura do seminário, Wilson Cano salientou que “os determinantes mudam mas as sequelas se mantêm, com problemas de urbanização, que eram só de Rio e São Paulo, e hoje vão do Oiapoque ao Chuí.” Chamou a atenção para a crescente violência e a inoperância do Estado, que resultaram num exército privado, hoje composto de, nada menos, 450 mil homens, em São Paulo, e 200 mil homens, “guardas particulares, forças paramilitarizadas”. A respeito do pré-sal, fez uma advertência: “Se tivermos governos responsáveis, teremos uma autonomia de petróleo por quarenta anos. Se tivermos governos irresponsáveis, corremos o risco de virarmos exportadores de petróleo, o que não vejo como a melhor coisa. O melhor seria, por exemplo, criarmos uma petroquímica pesada, e, aí sim, exportar.”
 
O seminário teve uma conferência especial, a cargo do professor Fernando Pedrão, sobre o economista argentino Raúl Prebisch (Leia a conferência do Prof. Fernando Pedrão). O Centro Celso Furtado acaba de lançar, em coedição com a editora Contraponto, o livro Raúl Prebisch, 1901-1986 – a construção da América Latina e do Terceiro Mundo, de Edgar J. Dosman (Leia sobre o lançamento), e pediu ao professor Pedrão que desse o seu depoimento sobre o fundador da Cepal, com quem trabalhou em Santiago do Chile, 1970 a 1972. Numa palestra metódica mas que comoveu a plateia e o próprio palestrante, Pedrão lembrou que Prebisch “se sentia responsável pela América Latina, como se fosse um herdeiro dos heróis da Independência, e perseguiu a ideia de que tinha uma missão a cumprir: a da independência econômica do continente”. Para ele, a contribuição de Prebisch foi sua “obra interpretativa do desenvolvimento”, o que hoje se chama o pensamento da Cepal. Prebisch mostrou “que a periferia tem uma dinâmica própria, e colocou a América Latina na agenda mundial”.
 
Na manhã do sábado, 9 de outubro, o Centro Celso Furtado organizou para 170 jovens universitários um curso de três horas sobre o Pensamento de Celso Furtado, ministrado por Carlos Pinkusfeld Bastos (IE/UFRJ), no Auditório da UFAL. Em sua maioria alunos de economia e de ciências sociais, os alunos tiveram um exposição sobre a trajetória da obra de Furtado, seus principais livros, sua contribuição teórica, com foco no pensamento estruturalista e na “teoria do subdesenvolvimento”, de sua autoria, e em alguns de seus principais livros, como Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Formação econômica do Brasil e O mito do desenvolvimento econômico. (RFA)

 


 

Veja o programa completo do seminário (pdf, 2.9 Mb)

Veja entrevista de Rosa Freire d’Aguiar Furtado (Link)

Veja fotos do evento (pdf, 6,82 Mb)

 

 






Centro Celso Furtado © 2006 - Todos os direitos reservados