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A inserção das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) na dinâmica do capital, segundo Freeman e Louçã (2004), está associada ao fato de que, em cada ciclo expansivo capitalista, há alterações técnicas, com produtos nucleares, ramos condutores e infraestruturas que se combinam a novas formas organizativas e institucionais, cujo efeito alargado sobre a sociedade constituirá um novo paradigma tecno-econômico (Perez, 2010), formado por um conjunto de tecnologias que impulsionam a inovação e impactam fortemente a economia e a sociedade.
A expansão do paradigma das TIC levou, mais recentemente, a uma extensa plataformização (Poell Nierorg; Van Dijk, 2018) da economia, apresentada como nova tábua de salvação para a persistente crise do capital, parte de uma suposta 4a Revolução Industrial (Schwab, 2017) marcada por uma economia de dados e por uma indústria agora elevada à condição de 4.0. Nas promessas de organismos como a OCDE e o Fórum Econômico Mundial, a combinação entre Big Data, Inteligência Artificial, Internet das Coisas, computação em nuvem, impressão 3D, manufatura avançada e conexões móveis 5G levaria a novos ganhos de produtividade, redução de desperdícios, gestão mais eficiente dos processos produtivos e maior bem-estar (FEM, 2018).
Contudo, os resultados econômicos dos últimos anos têm apontado em outra direção. Já antes da crise pandêmica e da guerra na Ucrânia, um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI, 2019) alertava para a desaceleração do crescimento e para uma recuperação precária na década pós-crise de 2008. Na verdade, a economia das plataformas (Srnicek, 2017) constitui uma fase avançada da 3a Revolução Industrial (Bolaño, 2002) e a conformação dos mercados digitais, uma peça do modo de regulação (Boyer, 1986), ligada a uma governança econômica nova, mas adequada ainda ao agonizante modelo neoliberal dominado pela finança (Chesnais, 2016).
Assim, a ascensão desses agentes econômicos de escala global vem chamando a atenção da sociedade, pesquisadores e reguladores para os perigos de um cenário de concentração, que se revela no cotidiano. “Tudo se passa como se o homem houvesse desesperado de ‘aperfeiçoar’ as engrenagens que criou [...] de defender-se da técnica com mais técnica” (Furtado, 1978, p. 181). Nessas condições, a ampliação do horizonte de possibilidades que constitui o desenvolvimento já não pode contornar a necessidade de reverter a transmutação de meios em fins que põe em causa “a criatividade em sua área mais nobre, que é a da atividade artística, as relações do homem com a natureza e o suporte social da reprodução da espécie” (idem).
BOLAÑO, César Ricardo. Trabalho intelectual, comunicação e capitalismo. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-78, 2002.
BOYER, Robert. La théorie de la régulation: une analyse critique. Paris: La Découverte, 1986.
CHESNAIS, François. Finance capital today: corporations and banks in the lasting global slump. [S. l.]: Brill, 2016.
FEM. Digital Transformation Initiative. [S. l.]: Fórum Econômico Mundial, 2018.
FREEMAN, Chris; LOUÇÃ, Francisco. Ciclos e crises no capitalismo global: das revoluções industriais à revolução da informação. Lisboa: Afrontamento, 2004.
FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. São Paulo: Paz e Terra, 1978.
PEREZ, Carlota. Technological revolutions and techno-economic paradigms. Cambridge Journal of Economics, v. 34, n. 1, p. 185-202, 2010.
POELL, Thomas; NIEBORG, David; VAN DIJCK, José. Plataformização. Revista Fronteiras, v. 22, n. 1, 2020.
SCHWAB, Klaus. The fourth industrial revolution. [S. l.]: Currency, 2017.
SRNICEK, Nick. Platform capitalism. [S. l.]: John Wiley & Sons, 2017.
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