COSTA, Fernando Nogueira.
Financistas Comparados: Hyman Minsky e Ray Dalio. Campinas, SP: Blog Cidadania & Cultura, 2023. 240p.
Livro online (Open Access, PDF 4,5 Mb)
Diante das ideias convencionais em Finanças, focadas apenas em seleção de carteira de ativos, Hyman Minsky ficou conhecido como “o teórico dos passivos”. Suas três ideias-chaves de são:
A Hipótese da Instabilidade Financeira explica por qual razão as economias de mercado capitalistas são propensas à instabilidade. A teoria fundamenta sua análise macroeconômica em uma visão microeconômica original de como os agentes operam. A fragilidade financeira refere-se ao acúmulo de dívida, precedente à quebra (crash) da atividade econômica, em um sistema econômico-financeiro baseado em dívida.
A crise financeira deixa um legado de dívida para períodos sucessivos até quando um boom retomar os gastos e as receitas de vendas o suficiente para tornar o fardo administrável. Após, o acúmulo cíclico do endividamento recomeça.
A parte macroeconômica da análise é essencialmente uma Teoria do Ciclo de Negócios, onde os booms e recessões são impulsionados pelo investimento empresarial em capital fixo. O aumento do investimento causa um aumento na atividade econômica geral e nas receitas de vendas. A queda do investimento causa um declínio na atividade comercial em geral e uma queda nas receitas de vendas.
Esta parte da análise de Minsky foi inspirada no trabalho de John Maynard Keynes e sua Teoria Geral. No entanto, o pós-keynesiano considerou não só a seleção da carteira de ativos, mas também a composição passiva, pois para o investimento aumentar não basta fontes internas (autofinanciamento) e se recorre a fontes externas (empréstimos).
Os crescentes níveis de endividamento necessitam ter os serviços da dívida atendidos com a receita de vendas. Desse modo, caso cair o investimento e a receita de vendas resultante, as empresas sucumbem a uma crise de dívida. Esta crise é, então, um prelúdio para a recessão econômica, senão uma depressão prolongada.
Os fundamentos microeconômicos de sua análise constituem uma abordagem altamente original para a tomada de decisão econômica, quando os agentes econômicos (famílias, bancos e empresas) tomam decisões com base não apenas em receitas e despesas (contas de resultado), como postulado na análise microeconômica convencional, mas também levando em consideração de seus balanços patrimoniais. É possível obter fluxo de caixa de entrada não só com a venda de bens e serviços, mas também com a venda de ativos ou a contratação de dívidas.
Um balanço patrimonial registra um conjunto de compromissos financeiros (passivos) e créditos (ativos) datados. A sobrevivência das empresas depende, portanto, da liquidez de seus ativos em estoque e da disponibilidade de crédito, bem como dos fluxos de receitas para atender a esses compromissos financeiros. Os recursos próprios e os de terceiros combinados constituem a estrutura de financiamento.
Há fases consecutivas de acordo com a predominância de posturas financeiras dos agentes econômicos financiados:
A fragilidade financeira é marcada pela “deterioração” das estruturas de financiamento. De acordo com o grau de prudência dos devedores e o efeito sistêmico dinâmico, o financiamento da postura “protegida ou coberta” pode se tornar “especulativa” e o financiamento “especulativo” tornar-se “Ponzi”.
Para Minsky, o investimento empresarial tende a ser especulativo ao contar com a possível rolagem das dívidas. O investimento é uma decisão crucial, porque gera receita de vendas e, pelo multiplicador de renda e empregos, faz circular a liquidez e contempla outros balanços patrimoniais existentes na economia.
Os balanços da economia estabelecem um piso ao qual os investimentos empresariais devem superar para garantir os pagamentos esperados dos passivos das dívidas correspondentes. Quando o investimento geral cai abaixo desse limite inferior, os balanços se deterioram como um prelúdio para a crise financeira.
A Hipótese da Instabilidade Financeira explica, portanto, como a crise financeira eclode por causa dos investimentos empresariais se tornarem insuficientes ao contínuo serviço da dívida – e não como alguns intérpretes de Minsky sugeriram:
Ray Dalio, no livro Big Debt Crises (Bridgewater; 2018), afirma os riscos econômicos e políticos dependerem muito de disposição e capacidade dos formuladores de políticas econômicas para disseminar as perdas decorrentes de dívidas incobráveis. Depende de dois fatores eles poderem fazer isso: o percentual da dívida em moeda nacional e a influência deles sobre o refinanciamento das dívidas.
O ciclo afeta a psicologia dos agentes econômicos de modo a resultar em uma economia de mercado com bolhas: série de boom e crashes. Durante uma tendência firme de alta nas cotações dos ativos, os credores ficam pouco exigentes para contratarem crédito junto a devedores. Isso porque as recompensas esperadas em juros com o crescimento mais rápido da renda parecem justificá-lo.
Na relação com o resto do mundo, a depender da taxa de câmbio, é politicamente mais conveniente oferecer “dinheiro barato” em vez de apertar o crédito. Essa é a principal razão pela qual existem grandes ciclos de endividamento na economia mundial.
Cria-se um ciclo sempre quando predominar a concessão de dinheiro emprestado. Comprar algo sem poder pagar de imediato com renda recebida ou capital próprio significa gastar mais além do potencialmente ganho.
Nesse caso, não se está apenas pedindo crédito ao emprestador, na verdade, o devedor está tomando emprestado do seu futuro. Encara o endividamento como a antecipação de esperados rendimentos futuros.
O tomador de empréstimo estará comprometendo um tempo de sacrifício no futuro, quando precisará gastar menos do potencial ganho, para poder pagá-lo de volta. Logo, configura-se um ciclo de endividamento, quando se gasta no presente mais além do ganho e, depois, gasta-se abaixo do padrão de gastos possível com a renda esperada.
Emprestar dinheiro coloca em movimento uma série de eventos previsíveis. No início do ciclo de crédito, os devedores têm muito dinheiro à disposição face às propriedades existentes à venda. Por isso, apostam em converter esse dinheiro em ativos com cotação em alta.
Quando os especuladores adquirirem cada vez mais ativos, seja imobiliário, seja financeiro (como ações), com base em empréstimos, será necessário depois mais dinheiro para pagar os juros e as amortizações. Alguns serão forçados a vender suas propriedades (desmobilizar) a preços com desconto (descapitalização) para levantar esse dinheiro e pagar os compromissos contratuais de dívida.
No início do jogo especulativo, “a propriedade reina”. Na reversão, mais adiante, “o dinheiro reina”.
Quem especula melhor entende a necessidade de periodicamente balancear sua carteira. Visa manter a seleção de ativos de acordo com sua aversão ao risco em termos de propriedade (ativos imobilizados), fundos e títulos e valores mobiliários (ativos financeiros) e dinheiro (ativos monetários líquidos) ao longo do ciclo.
Leia mais a respeito desses dois financistas – Hyman Minsky (1919-1996) e Ray Dalio (1949-….) – de gerações sucessivas. Fiz um estudo comparativo de suas obras.
Fernando Nogueira da Costa
Professor Titular do IE/Unicamp