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Artigo | Ceci Vieira Juruá | A erosão da Soberania Nacional frente a uma sociedade anestesiada pela Operação Lava Jato


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JURUÁ, Ceci Vieira.

A erosão da Soberania Nacional frente a uma sociedade anestesiada pela Operação Lava Jato. Paraíso Brasil. (Site). Publicado em: 1º ago. 2022. Disponível em: https://paraisobrasil.org/2022/08/01/a-erosao-da-soberania-nacional-frente-a-uma-sociedade-anestesiada-pela-operacao-lava-jato/. Acesso em: 3 ago. 2022.

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A erosão da Soberania Nacional frente a uma sociedade anestesiada pela Operação Lava Jato*

Ceci Vieira Juruá**
Conselho Deliberativo
Centro Celso Furtado

Ao longo da história do capitalismo, as sociedades liberais vem sendo constituídas sobre algumas assertivas doutrinárias, teses construídas e maquiadas sobre duas plataformas. Por um lado, para o grande público, vende-se a idéia de individualismo e de liberdade. Por outro lado, para os atores econômicos, a plataforma doutrinária impõe a prioridade do Mercado na configuração das transações comerciais. Para os liberais, a ordem econômica preferida, no campo internacional e internamente, é aquela que implica na mercantilização absoluta das trocas, que tudo se torne mercadoria, cabendo ao mecenato cobrir eventuais brechas humanitárias que ameaçam uma necessária, porém mínima, paz social.

Ao Estado, dizem os doutrinadores, cabem funções de assessoria aos mercados, tais como regulação/fiscalização das trocas mercantis. Sistema de poder e sistema político, o Estado deve – prioritariamente – garantir os marcos jurídicos essenciais à dominação do Mercado sobre a sociedade. Os liberais repetem à exaustão tais mantras, há mais de dois séculos, e tentam, muitas vezes com êxito, impor seus dogmas em escala mundial, sobretudo naquelas partes do mundo que julgam dominar e controlar. Foi assim sob a hegemonia do império britânico, está sendo assim sob o império norte-americano.

Por isto, desde a troca de governos militares para o figurino traçado pelo liberalismo, o grande debate político no Brasil organizou-se em torno da preferência Estado x Mercado. Assim, na década de 1990 o PSDB liquidou o patrimônio estratégico nacional sob comando do Estado – moeda, transportes/comunicações e energia/petróleo – e o transferiu para o comando dos mercados mediante privatizações selvagens, isto é, sem maior debate público e a preços irrisórios. Formaram-se então grandes grupos nacionais, sementes de uma burguesia nacional. No entanto, parte significativa do patrimônio formado pelos ativos produtivos estatais, estratégico para o desenvolvimento e para a soberania nacional, foi transferida para a órbita dos conglomerados internacionais cuja matriz situava-se, preferencialmente, nos países anglo-saxões.

Com os governos petistas, principalmente na gestão de Lula, a grande rapina foi interrompida. O mecenato ficou por conta do Estado, sem ônus para os segmentos mais ricos da população. Não houve, por exemplo, mudança nos privilégios tributários concedidos ao grande capital, o que se verifica analisando a inalterabilidade de certas normas: desoneração tributária para exportações (Lei Kandir e outras sucessivamente) e sobre dividendos (1995), transferência para os usuários/consumidores da carga tributária representada por impostos diretos e taxas de responsabilidade dos proprietários, pessoas físicas e/ou jurídicas. Assim, impostos diretos foram transformados, na prática, em impostos indiretos, acelerando por este mecanismo os demais mecanismos sociais e econômicos de concentração de propriedade e de rendas.

Se mais não foi feito, entre 2003 e 2010, foi graças à atuação do Ministério da Fazenda, cuja orientação buscou aparar certas arestas do modelo econômico. A política econômica da época procurou restabelecer algum equilíbrio entre a orientação da produção para os mercados externos e para o mercado doméstico, utilizando-se para isto de normas jurídicas específicas, como foi o caso da lei de valorização do salário mínimo e do atrelamento dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Os mais pobres e miseráveis foram atendidos por mais serviços públicos (educação e saúde) e pelo bolsa família. A classe média e a pequena burguesia tiveram à sua disposição mecanismos tributários do tipo Simples e Super Simples.

Os assalariados no topo da pirâmide de renda foram os segmentos mais prejudicados. Em razão de mudanças (1998) e em seguida, durante alguns anos, o congelamento das faixas utilizadas para cálculo do imposto de renda, segundo diversos acordos feitos com FMI. Perderam renda também a maioria dos empregados das estatais que haviam sido extintas. Tais procedimentos vem tendo aplicação desde os anos 1990 e não foram sustados pelas gestões petistas.

Apesar dos privilégios continuados e renovados dirigidos aos mais ricos da sociedade brasileira, tudo indica que os ideólogos do liberalismo não ficaram satisfeitos com a transferência de poder operada em 2002, do PSDB/PMDB para o PT e partidos aliados, entre os quais o PMDB. Por isto tentaram voltar ao poder em 2010 e em 2014, sofrendo amarga derrota frente à candidatura de Dilma Roussef.

A derrota dos candidatos liberais nas duas últimas eleições presidenciais frustrou certos sonhos típicos das classes dominantes em uma sociedade capitalista periférica. Historicamente, e no Brasil tem sido assim, os setores políticos dominantes em uma sociedade liberal sentem-se mais seguros, mais protegidos, quando ficam “sob as asas, a augusta proteção” dos senhores do Império. O petismo os ameaçou, principalmente quando se começou a falar em disputar a hegemonia dentro dos aparelhos de Estado.

A derrota de 2014 foi particularmente frustrante, pois havia projetos de lei na gaveta de deputados e senadores, desde os anos finais do governo Lula. Projetos de lei que jamais seriam aceitos pela sociedade e pelos governos petistas, em razão de sua natureza anti-nacional e anti-popular. A decisão de levar à frente um golpe parlamentar contra o comando petista do aparelho de Estado parece ter sido motivado pela necessidade de impor novos marcos jurídicos à sociedade brasileira, marcos que permitam aprofundar a financeirização da economia, sua dependência do comércio exterior e do financiamento externo. Esta parece ter sido a razão fundamental, determinante em última instância, da conspiração em curso. Dizemos isto com base em constatações empíricas.

Observa-se assim que o governo interino se dedicou, desde que foi instalado, a enviar ao Congresso propostas de emenda constitucional e de mudança em leis estratégicas para o funcionamento do Estado e das finanças públicas. São exemplos: propostas de emenda constitucional através de duas medidas provisórias de número 726 e 727 (1), o PLS 229/2009, alterando a Lei Complementar 101/2000 e revogando a Lei 4.320, o PLS 167 transformado em PLS 555 e atualmente PL 4.918/2016, que reformula a gestão das estatais, o fim da obrigatoriedade de participação da Petrobrás nos contratos de exploração do pré-sal, e muitas outras propostas atinentes diretamente à renda dos trabalhadores empregados ou aposentados, projetos de lei enfim que deram origem à percepção atual quanto à orientação central do governo interino: constituir um “Estado mínimo para os pobres e um Estado máximo para os ricos”.

Dentre as iniciativas do governo interino, deve-se enfatizar a MP 727, assinada em 12 de maio pelo então vice-presidente da República e agora presidente interino. Esta medida provisória parece ser, no conjunto de medidas tomadas desde o afastamento de Dilma, a mais pérfida, a mais nefasta, pois ameaçará a unidade do espaço econômico e físico nacional, se se concretizarem algumas expectativas ali delineadas. Estas expectativas dizem respeito às consequências econômicas e territoriais da implantação do Conselho que vai administrar o PPI-Programa de Parcerias de Investimentos. Um Conselho cuja formação permite prever absoluta centralização de qualquer decisão estatal em matéria de investimentos realizados em regime de parceria, pois se trata de um Conselho que terá jurisdição sobre todas as unidades da Federação e será presidido pelo Presidente da República, ao qual será dado o direito de selecionar e impor projetos por decreto, sem passar pelas instâncias parlamentares e por qualquer avaliação de cunho político.

Como os investimentos do PPI terão a execução e o financiamento geridos pelo BNDES, é plausível esperar a repetição do triste espetáculo dos leilões que desnacionalizaram parcela grande da economia brasileira nos anos 1990. Pode-se prever também que os estudos preliminares, sobretudo na área financeira (avaliação de custos e de preços) ficarão por conta de consultorias estrangeiras, como aconteceu nos anos 1990. Por outro lado, dado o desmonte das maiores empresas brasileiras de engenharia, promovido pela operação Lava Jato, é bem provável que os conglomerados estrangeiros sejam os maiores beneficiários do PPI, como ocorreu nos anos 1990.

Como diz o ditado popular – “os cães ladram enquanto a caravana passa” -. A caravana, no caso de que tratamos, é a reformulação dos marcos jurídicos fundamentais do Estado brasileiro. Cães são a opinião pública manipulada pela mídia e absorvida por casos de combate à corrupção. Mas a figura metafórica aplica-se também a parlamentares/políticos e ao sistema jurídico-policial, que se degladiam como tripulantes de uma arca de Noé. Cuidam de interesses particulares e aparentam descompromisso com a iminente falência econômico-financeira de entidades estatais e privadas.

Para finalizar, deve-se registrar que a construção dos marcos jurídicos centrais é a função principal dos Estados nas democracias liberais. Quando tais marcos jurídicos são copiados de outras sociedades, ou por elas impostos, caso provável da Agenda Brasil, há um ataque frontal à soberania nacional. Este parece ser o nosso caso atual, a triste situação da Nação e do povo brasileiros, intimidados, acossados e anestesiados, como cães famintos, pelo espetáculo diário da Lava Jato!


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(1) Modificada por leis n.º 13.448/2016 e n.° 13.901/2019.

* Artigo escrito em junho de 2016, publicado  no mesmo ano em Carta Maior, republicado em 2020 na revista Diálogos do Sul e em 2022 no site Movimento Paraíso Brasil.

** Economista, Mestre em Desenvolvimento e Planejamento Econômico e Doutora em Políticas Públicas. Membro do Conselho Deliberativo do Centro Celso Furtado e do Conselho Consultivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU). Pesquisadora independente atualmente, é autora de livros e artigos sobre História Econômica e Política do Brasil, e sobre Finanças Públicas.

 

 






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