No dia 14 de outubro faleceu Pierangelo Garegnani. Garegnani foi um dos maiores economistas do século XX e contribuiu de maneira decisiva para o avanço do programa de pesquisa iniciado por Piero Sraffa de retomada e desenvolvimento da abordagem clássica do excedente, e de crítica à consistência lógica da teoria marginalista dos preços relativos e da distribuição de renda. Foi protagonista de um dos mais importantes debates em teoria econômica do século passado, a famosa controvérsia do capital entre as duas Cambridge, da Inglaterra e dos EUA/Massachusetts, tendo como principal adversário o eminente economista americano Paul Samuelson. Esse trabalho de análise da teoria marginalista dominante prosseguiu em escritos posteriores que estenderam a crítica às versões intertemporais do modelo de equilíbrio geral. No campo da macroeconomia e da análise do crescimento econômico, Garegnani contribuiu de maneira fundamental para a discussão crítica e o desenvolvimento da teoria produto agregado baseada no princípio da demanda efetiva, proposta originalmente por Keynes. Em seus trabalhos tornou evidentes os limites intrínsecos à tentativa de estender a validade da teoria keynesiana para o contexto de análise de longo prazo sem que a teoria marginalista do valor e da distribuição, subjacente à contribuição de Keynes, seja abandonada. Resultou dessa linha de pesquisa a proposta de fundamentar a teoria keynesiana do produto, concebida com sendo válida tanto no curto como no longo prazo, numa teoria do valor e da distribuição baseada na abordagem clássica do excedente. Essa síntese tem sido o ponto de partida para o desenvolvimento de um arcabouço teórico completo para a análise de economias capitalistas, capaz de fazer frente à abordagem marginalista hoje dominante na ciência econômica.
Entre as inúmeras manifestações de pesar pela sua morte registramos as palavras do próprio presidente da Giorgio Napolitano:
“Recebo com profunda emoção e pesar a notícia da morte de Pierangelo Garegnani. Por muitos anos se desenvolveu entre nós uma relação de trabalho e sincera admiração, e amizade, que também nos uniu ao grande Piero Sraffa. Garegnani foi um aluno fiel e estudioso cuidadoso, e altamente qualificado, desse grande pensador se esforçando intensamente em transmitir o legado de suas idéias. Neste momento triste gostaria de expressar, partilhando da tristeza daqueles que por ele tiveram carinho, o meu agradecimento sincero, e homenagear a insigne figura de professor, economista e homem de sentimentos cívicos elevados que ora desaparece".
Garegnani visitou algumas vezes o Brasil por ocasião de seminários e congressos. Ele influenciou fortemente um número expressivo de economistas heterodoxos, tendo dois artigos publicados em português. Vale registrar que foi amigo do patrono deste Centro desde o tempo de convívio em Cambridge no final dos anos 1950. Dele, Furtado, comenta em sua autobiografia:
“Com frequência, a acompanhávamos [obs: refere-se a Joan Robinson], em seguida à aula, para tomar chá, e aí a conversa se animava. Amartya K. Sen e Piero Garegnani eram os mais provocativos. Ambos eram do Trinity College e estavam próximos de Sraffa, grande amigo, mas também crítico irreverente de Joan Robinson” (A Fantasia Organizada, p. 329).
Eu sua mensagem de condolência o economista Heinz Kurz escreveu: “Enquanto cada um de nós é mortal, as idéias não são. Nós sentiremos sua falta, mas estaremos seguindo sua herança intelectual.”
É com esse espírito e como uma homenagem ao grande economista que nos abandona que o Centro Celso Furtado oferece aos seus sócios e amigos uma tradução inédita de artigo de Fabio Petri sobre Pierangelo Garegnani.