Inscrição e informações: http://campohoje.net.br/si-trairm/index.php
No transcurso da última década, expressivas transformações tiveram lugar no contexto do capitalismo global, não só no tocante à reorganização produtiva e tecnológica mas, fundamentalmente, na reconfiguração geopolítica dos atores e interesses dentro do sistema, rebatendo fortemente nas dinâmicas estabelecidas no setor agrícola e rural. O Brasil, em particular, experimentou um processo de desenvolvimento econômico caracterizado pela implementação de ambiciosas políticas públicas, tanto no âmbito da 'política social' e políticas de fomento produtivo a setores específicos, como a agricultura familiar, como no incremento do apoio estatal a setores econômicos dominantes, dentre eles o agronegócio e outras áreas estratégicas como a mineração e o setor energético. Esses últimos, por sua vez, vêm se projetando cada vez mais como atores ou players globais, atuando preferentemente na América Latina, mas também em outros continentes, como a África, acompanhados em alguns casos pela atuação de empresas estatais, bancos de fomento e agências multilaterais.
O setor agrícola brasileiro tem assumido posição estratégica no conjunto dessas iniciativas, “exportando” o modelo de produção experimentado domesticamente em regiões no exterior, como alguns países da América Central e da África (especialmente, nesse último caso, aqueles de língua portuguesa). Isso tem sido particularmente observado no caso da produção de cana-de-açúcar (e a fabricação de etanol) e, recentemente, da soja. Esta última já havia “extrapolado” a fronteira nacional para a produção do grão no Paraguai – dando origem à constituição dos “brasiguaios” e em 2011 avançou para um ousado projeto de aluguel de terras nos estados da região norte de Moçambique amparado por uma política “guarda-chuva” mais geral, o programa Pró-Savana. Por outro lado, mantendo ainda o recorte setorial na agricultura, estamos assistindo a um crescimento recente da expansão em diferentes contextos nacionais, em particular aqueles dos países do Mercosul, do chamado “agronegócio” e do interesse e busca por terras em todo o mundo, especialmente em razão da demanda por alimentos, agroenergias e matérias-primas.
Após a crise dos preços dos alimentos, em 2008, e das previsões de demanda futura, não é surpreendente o crescente interesse de governos – puxados pela China e por vários países árabes – pela aquisição de terras para a produção de alimentos para satisfazer o consumo doméstico. Chamam a atenção, no entanto, os investimentos do setor financeiro, historicamente avesso à imobilização de capital, especialmente na compra de terra, um mercado caracterizado pela baixa liquidez. O interesse global por terras (relativamente abundantes) da América Latina (especial destaque ao Brasil, Argentina e Uruguai) e da África subsaariana tem provocado uma elevação dos seus preços.
Esse movimento, todavia, tem exigido – ainda que não atendido completamente – uma contrapartida estatal, seja para estabelecer um marco regulatório no processo de expansão das atividades ligadas ao agronegócio em diferentes países, seja, ainda, para amparar e/ou fomentar o drive externo das aplicações do capital agroindustrial em regiões como a África e/ou a América Latina. São dois movimentos distintos que problematizam a ideia de capacidades estatais para o desenvolvimento: de um lado (no plano doméstico), a pouca capacidade do Estado em avançar sobre um controle mais efetivo das transações fundiárias, seja melhorando o registro dessas transações propriamente ditas, seja impedindo movimentos de (re)concentração de terras e o apoio não desprezível (especialmente em áreas de infraestrutura e de financiamento) das agências governamentais às necessidades de expansão produtiva do setor. De outro, o desenvolvimento de programas, agências e o direcionamento de recursos de empresas e bancos públicos para o financiamento e o suporte tecnológico aos investimentos de grupos privados em atividades agropecuárias e agroindustriais em países africanos e latino-americanos. Nos dois casos, emergem várias questões de fundo que implicam em interrogar o contexto institucional e o desenho das políticas públicas em curso: a) qual é o modelo de desenvolvimento que está presente nas estratégias dos diferentes atores em jogo? b) quais são as implicações que esse intenso movimento de expansão do chamado “agronegócio” vêm trazendo para o meio rural, especialmente aquele dos países do Mercosul? c) há, ainda, um papel relevante do Estado no estabelecimento de políticas e marcos regulatórios direcionados ao setor? d) o forte processo de internacionalização está ligado diretamente a um aumento do “grau de financeirização” do setor, especialmente no que tange à valorização dos ativos fundiários? E, finalmente, e) como tratar essas transformações no campo das Ciências Sociais, destacando noções e categorias de análise, o papel dos diferentes atores e a emergência de novos conflitos e novas sinergias estabelecidos?