Financeirização: crise, estagnação e desigualdade
Por Lena Lavinas, Norberto Montani Martins, Guilherme Leite Gonçalves
janeiro 6, 2025

O livro Financeirização: crise, estagnação e desigualdade reúne 66 colaboradores e colaboradoras de horizontes disciplinares diversos (economia, sociologia, antropologia, desenvolvimento internacional, economia da saúde, direito, ciência política, loso a, planejamento urbano e moradia, geografia), para oferecer uma visão complexa, abrangente e empiricamente diversa das dinâmicas multifacetadas que a dominância financeira vai gravando à medida que se espraia no tecido social e o submete à sua lógica expropriatória.

Fruto de uma parceria acadêmica e institucional entre dois centros de prestígio, o Departamento de Economia da SOAS- Universidade de Londres e o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Financeirização: crise, estagnação e desigualdade  tem  como  propósito  pousar  o  debate  sobre financeirização na realidade política que vive o Brasil, embora, de modo algum, seja este foco exclusivo ou limitado à conjuntura.

Assim, traz à baila contribuições internacionais relevantes que, ao tratar da dívida pública e da dívida privada das famílias; do recurso às parcerias público-privadas incentivadas por organismos multilaterais; do domínio da lógica financeirizada na provisão de saúde, dos cuidados, da água e saneamento, subordinando a esfera da reprodução social, oferecem um contraponto ao padrão de financeirização que tem lugar no Brasil e que se mostra na iminência de alargar seus domínios mediante o recurso a práticas e mecanismos já testados – e criticamente avaliados – em economias avançadas.

A coletânea reúne também um conjunto original de artigos de cunho teórico-metodológico que dialogam entre si e se complementam ao estender a reflexão sobre financeirização para além dos marcos já traçados nas primeiras gerações de trabalhos sobre o tema. São artigos que periodizam etapas na marcha da financeirização, que explicitam a articulação das formas e metamorfoses do capital financeiro, que cotejam a apropriação e uso do conceito no âmbito do pensamento heterodoxo, que dissecam os sentidos da dívida, seja ela soberana ou “de sobrevivência”.

Já o feixe de artigos dedicados ao Brasil traça um panorama diverso e extremamente rico das transformações profundas que a busca por retornos financeiros impõe levando à desestruturação de setores como a filantropia, a saúde (pública e privada), a agricultura, a economia dos cuidados, a educação, a moradia, alcançando, inclusive, a natureza e as políticas sociais de combate à pobreza e inclusão social. Estes parecem destinados a serem cancelados no orçamento público, repassando custos e riscos aos usuários dos serviços, que, para além de mercantilizados e privatizados, vão estabelecendo novas conexões com formas de capital fictício pela via da assetização. Tais estudos de caso são precedidos por um rol de análises  que  privilegia  os  aspectos  macroeconômicos da financeirização, discutindo câmbio, juros e inserção subordinada do país nos mercados globais.

Trinta e cinco artigos foram distribuídos em oito seções, a saber: Teorizando o Capitalismo Financeirizado; Aspectos Macroeconômicos da Financeirização; As Políticas Sociais na Era da Financeirização; A Saúde Financeirizada; Cidades e Moradias Financeirizadas; Dívida e Endividamento; A Financeirização da Natureza; A Reprodução Sociopolítica da Financeirização.

Desde já, fica claro que não é tarefa simples dissecar o fenômeno da financeirização em suas múltiplas faces e os desdobramentos que ele acarreta. Mais complexa e imperiosa ainda é a tarefa de pensar e propor alternativas ao capitalismo financeirizado corrente, alternativas essas que entreguem um modelo de desenvolvimento sustentável ecológica e socialmente, além de justo, e que permita uma vida digna e segura nas sociedades contemporâneas. Construir essas alternativas transcende, obviamente, o escopo desse volume, avançando sobre a arena política. Acreditamos, contudo, que nele o(a) leitor(a) irá encontrar sementes para pensar o futuro – pois, no capitalismo sob dominância financeira, o futuro, este, parece ter sido sequestrado.

Todos os artigos perpassam, de alguma maneira, os pontos que o título destaca como conexos ao estudo da financeirização. A crise é omnipresente por ser ela inerente ao movimento de reestruturação constante que a dominância financeira impõe, reconfigurando formas de produzir, distribuir e circular e ressignificando sentidos. A estagnação aparece na imbricação entre as políticas de austeridade que se generalizaram sob a égide do capitalismo financeirizado e a lógica rentista que solapa o crescimento e inibe, esteriliza o desenvolvimento de sociedades comprometidas com o bem-estar coletivo e sustentável entre gerações. As tantas dinâmicas expropriatórias analisadas neste livro, que se multiplicam a granel como consequência do controle corporativo sobre as mais variadas formas de provisão social e do endividamento crônico que passa a dar suporte à reprodução da vida, sinalizam que também o mapa das desigualdades ganhou novo traçado e alargou seus limites, aprofundando as distâncias sociais. A riqueza segue cada vez mais concentrada no topo, puxada desta feita pela expansão acelerada dos ativos financeiros, ainda que, por vezes, se observe uma tendência de redução do hiato entre rendas do trabalho.

Financeirização: crise, estagnação e desigualdade mostra-se, assim, através de exemplos os mais diversos e do questionamento crítico que oferece acerca dos dilemas contemporâneos, uma ferramenta para apreender a complexidade do mundo que nos cerca e avançar na formulação de alternativas coletivas que levem à superação das crises, da estagnação e da desigualdade que dominam o cenário global.

 

Referências:

– MADER, Philip; MERTENS, Daniel; ZWAN, Natascha van der (Coord.). The Routledge International Handbook of Financialization. Nova York: Routledge, 2022.

– Maria da Conceição Tavares (1972) e Reinaldo Carcanholo e Paulo Nakatani (1999) são referências brasileiras importantes, ainda que não tenham desenvolvido uma abordagem acabada sobre financeirização em suas contribuições iniciais.

– Entre eles, uma análise pioneira foi feita por L. Lavinas, The Takeover of Social Policy by Financialization. The Brazilian paradox, London-New York: Palgrave Macmillan, 2017. Na sequência, vêm: L. Shimbo e B. Ru no (Orgs.) Financeirização e estudos urbanos na América Latina, Rio de Janeiro: Editora Letra Capital, 2019; G. Mello e P. Nakatani (Orgs.) Introdução à Crítica da Financeirização – Marx e o Moderno Sistema de Crédito, São Paulo: Expressão Popular, 2021; R. Marques e J. C. Cardoso Jr. (Orgs.) Dominância Financeira e Privatização das Finanças Públicas no Brasil, Brasília: Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), 2022; I. Lapyda. Introdução à Financeirização: David Harvey, François Chesnais e o capitalismo contemporâneo, São Paulo: CEFA Editorial, 2023.

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