10 Lições do Eurogreen – Resumo do Seminário
Por Simone D'Alessandro
maio 23, 2025

 

Motivações: Limites Planetários, Crescimento do PIB, Bem-Estar e Desigualdade

Enquanto os formuladores de políticas econômicas no pós-guerra assumiam que o crescimento do PIB reduziria naturalmente a desigualdade e melhoraria o padrão de vida, a realidade se afastou fortemente dessa expectativa. Nos países ricos, o crescimento do PIB não se traduz mais em maior bem-estar. Desde a década de 1980, há uma divergência entre o crescimento do PIB e o aumento dos padrões de vida. Isso tem levado a um questionamento crescente nos países do Norte global sobre se o crescimento do PIB deve continuar sendo o principal objetivo econômico de nossas sociedades.

Ao mesmo tempo, os custos ecológicos do crescimento — como mudanças climáticas, perda de biodiversidade e esgotamento de recursos — têm levado a humanidade a ultrapassar os limites planetários (Figura 1). O sistema econômico atual opera como se as restrições ecológicas fossem externas aos processos econômicos, quando, na verdade, os limites planetários moldam ativamente as possibilidades econômicas e são fortemente impactados pela atividade econômica. A atual transgressão desses limites obriga os economistas a utilizarem medições ecológicas e a conectar as dinâmicas econômicas e ambientais.

 

Figura 1 – Slide sobre limites planetários

Fonte: Rockström, J. et al. A safe operating space for humanity. Nature, n. 461, p. 472-475, 2009. DOI: https://doi.org/10.1038/461472a

 

Um exemplo claro dessa conexão é a relação entre desigualdade e emissões de carbono. Com base em dados do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, os 10% mais ricos da população global são responsáveis por quase 50% das emissões de carbono. Essa concentração de impacto ambiental significa que enfrentar a desigualdade não é apenas socialmente desejável — é um imperativo ecológico. Os padrões de consumo das elites econômicas impulsionam cadeias de suprimentos intensivas em recursos, criando ciclos auto-reforçados de acumulação de riqueza e degradação ambiental.

Os esforços do grupo Ecohesion partem desse entendimento: o atual sistema econômico europeu, propenso à concentração de riqueza e excessivamente focado no crescimento do PIB, mina fundamentalmente a transformação ecológica necessária. Essa é a motivação para a construção do modelo Eurogreen.

 

O Modelo Eurogreen: Arquitetura e Inovações

O modelo Eurogreen baseia-se em tentativas anteriores de integrar preocupações ecológicas aos arcabouços macroeconômicos. Tem raízes no trabalho de Tim Jackson e Peter Victor, cujos modelos de baixo crescimento demonstraram que a estabilidade macroeconômica poderia ser mantida sem crescimento do PIB. Esses modelos pioneiros, no entanto, eram limitados em detalhamento setorial e no tratamento das mudanças tecnológicas.

Por outro lado, modelos contemporâneos de sistemas energéticos, usados para o planejamento da descarbonização, embora tecnicamente sofisticados, frequentemente fazem suposições problemáticas. Muitos desses modelos tratam o sistema econômico mais amplo como exógeno — analisam transições energéticas isoladamente, sem considerar as consequências para o emprego, a desigualdade e a macroeconomia. Isso gera lacunas políticas, como deixar de contabilizar como mudanças nos preços de energia podem afetar a dinâmica salarial ou os padrões de consumo.

A abordagem Eurogreen busca superar essas limitações por meio de sua arquitetura de sistemas dinâmicos, que captura os ciclos de retroalimentação entre sistemas energéticos, mercados de trabalho e padrões de consumo. Isso representa um avanço significativo em relação tanto aos modelos macroeconômicos convencionais (que ignoram as restrições ecológicas) quanto aos modelos energéticos estreitos (que ignoram os efeitos macroeconômicos).

Figura 2 – Mapa do modelo

Fonte: Campigotto, N., Catola, M. et al. Exploring Policy Interventions for a Just Low-Carbon Transition: A Scenario Discovery Approach. 2022.

 

O Eurogreen é um modelo de simulação dinâmica insumo-produto pós-keynesiano com diferentes características, que podem ser vistas na Figura 2 e são detalhadas a seguir:

  • Composição Estrutural: O modelo possui uma matriz insumo-produto de 19 setores que captura as relações interindustriais, permitindo analisar como mudanças em um setor (por exemplo, energia renovável) reverberam em toda a economia. Essa granularidade permite aos formuladores de políticas identificar quais transições industriais criam oportunidades de emprego e quais podem exigir programas específicos de requalificação de trabalhadores.
  • Heterogeneidade do Mercado de Trabalho: Diferentemente dos modelos convencionais que tratam o trabalho como homogêneo, o Eurogreen diferencia trabalhadores por gênero, nível de qualificação (baixo/médio/alto) e status de emprego (empregado/desempregado/fora da força de trabalho). Isso permite avaliar como as políticas afetam a desigualdade dentro do mercado de trabalho. O modelo também incorpora mudanças demográficas exógenas.
  • Dinâmica do Consumo das Famílias: As versões mais recentes do modelo incorporam dados detalhados de consumo familiar, diferenciando padrões de despesa por quintil de renda e região. Isso permite analisar como políticas como impostos sobre o carbono ou renda básica afetam as emissões baseadas no consumo entre diferentes grupos sociais, interligando dinâmicas do mercado de trabalho e mudanças técnicas com os padrões de gasto das famílias.
  • Mudança Tecnológica Endógena: Um dos aspectos mais inovadores do Eurogreen é tratar o progresso tecnológico como endógeno às condições econômicas. O modelo simula como as empresas respondem a mudanças nos preços relativos (por exemplo, salários mais altos ou custos intermediários, incluindo o custo do carbono), inovando na direção de economias de trabalho ou de recursos. Isso captura dinâmicas reais em que sinais políticos moldam trajetórias tecnológicas.
  • Retroalimentações Clima-Economia: Embora reconheça que as emissões de uma única nação não determinam diretamente as temperaturas globais, o Eurogreen incorpora funções de dano climático que afetam a produtividade, a infraestrutura e a estabilidade fiscal. Isso é particularmente importante para países altamente endividados, onde os impactos climáticos podem agravar vulnerabilidades fiscais preexistentes.
  • Aplicações em Múltiplas Escalas: Embora inicialmente desenvolvido para economias nacionais (França, Itália), o Eurogreen está se expandindo para análises regionais e comparações internacionais. Essa capacidade multiescalar é crucial para avaliar como transições locais interagem com cadeias de suprimento globais e sistemas climáticos.

Em geral, o modelo considera uma economia aberta, com governo, múltiplos setores produtivos e famílias heterogêneas; suas ações, assim como políticas públicas, afetam variáveis econômicas e ecológicas. O modelo é construído de forma que políticas, ao alterar variáveis e parâmetros exógenos, possam simular cenários alternativos em termos de crescimento, emissões e desigualdade.

 

Dez Lições-Chave do Eurogreen

As seguintes “lições” sintetizam alguns dos principais resultados das simulações realizadas com o modelo Eurogreen:

  1. O paradoxo do crescimento verde: O crescimento verde não atinge plenamente seus objetivos. As vantagens em emissões da transição para uma produção verde são anuladas pelo próprio aumento do PIB. Por outro lado, maior eficácia em termos de redução de emissões leva à diminuição do emprego e ao aumento da desigualdade — um paradoxo entre crescimento (com mais emprego e igualdade) e descarbonização.
  2. Redução da jornada de trabalho – o dilema emprego-emissões: Transformar ganhos de produtividade em redução da jornada de trabalho pode diminuir emissões e contornar o dilema entre baixas emissões e menor emprego.
  3. Um caminho viável – combinar objetivos ambientais e sociais: Metas ambientais só podem ser alcançadas com mudanças institucionais. Políticas sociais ousadas podem evitar barreiras à transição energética.
  4. Adaptação é crucial: A forma como famílias e empresas se adaptam aos incentivos afeta enormemente o impacto das políticas. O imposto sobre o carbono, por exemplo, só funciona dependendo da mudança de comportamento.
  5. Uso do tempo e dimensão de gênero na análise de políticas: Políticas que reduzem a carga horária ou expandem a infraestrutura de cuidados podem gerar benefícios sociais e ecológicos, mas não eliminam a desigualdade salarial entre gêneros.
  6. Existem outras políticas? – abordagem de descoberta de cenários: A pesquisa em torno do modelo apresenta uma abordagem de descoberta de cenários, na qual se identifica quais parâmetros mais influenciam as principais dimensões — PIB, desigualdade, emissões e emprego. O objetivo é contornar o dilema entre desigualdade e emissões.
  7. Sustentabilidade da dívida é inútil para apoiar a transição política: Regras fiscais rígidas limitam a capacidade de países endividados de lidar com as mudanças climáticas, contribuindo para uma dívida pública insustentável nas próximas décadas. É mais barato se adaptar antes do que mitigar depois dos impactos.
  8. Efeitos distributivos da alta inflação: A inflação resultante de choques nos preços da energia reduz a renda real dos trabalhadores, afetando mais duramente os de menor qualificação e os desempregados. Proteger a renda dos trabalhadores reduz a queda na produção, sem desencadear uma espiral preço-salário.
  9. Salário mínimo e máximo: Políticas de salários mínimos e máximos podem reduzir a desigualdade de renda no mercado de trabalho, sem efeitos indesejados sobre o desemprego ou a produtividade.
  10. Política ousada e inclusiva para viabilizar a dupla transição: Políticas de garantia de emprego destacam-se como as mais eficazes para mitigar o desemprego tecnológico. A garantia de emprego e a redução da jornada de trabalho aumentam a participação dos salários, permitindo a transição com menor impacto social.

 

Conclusão: Rumo a uma Macroeconomia Incorporada

O modelo Eurogreen parte da ideia de que a economia está incorporada em sistemas sociais e ecológicos. Sua principal constatação pode ser que enfrentar o colapso ecológico requer enfrentar diretamente as estruturas de poder econômico. Altas taxas de crescimento são incompatíveis com a necessária redução de emissões, independentemente do desenvolvimento tecnológico ou de incentivos de mercado. Por essa razão, a transformação ecológica deve ser acompanhada de políticas sociais que melhorem o emprego e reduzam a desigualdade, enquanto reduzem as emissões de carbono com menores taxas de crescimento.

À medida que o modelo continua evoluindo — incorporando microfundamentações comportamentais, detalhes regionais e dinâmicas do sistema financeiro — ele se torna uma plataforma cada vez mais robusta para a experimentação de políticas. Em uma era de policrise, ferramentas como esta são cruciais para navegar os complexos trade-offs entre estabilidade, equidade e sustentabilidade. O desafio agora é construir movimentos políticos capazes de implementar esses aprendizados — uma tarefa tanto de transformação cultural quanto de formulação técnica de políticas.

 

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[1] Este post é um resumo do seminário de mesmo nome apresentado por Simone D’Alessandro em março de 2025, em parceria com a Rede MacroEco. O professor Simone D’Alessandro, da Universidade de Pisa, lidera o grupo “Ecohesion: Coesão Social na Transformação Ecológica”, que reúne sindicatos e pesquisadores para propor políticas que permitam uma transformação ecológica socialmente justa. Neste seminário, ele apresentou o modelo Eurogreen, desenvolvido para apoiar esses esforços. Este foi o primeiro de uma série de seminários promovidos pela rede de pesquisa MacroEco sobre modelos macroeconômicos ecológicos de referência.

[2] Trascrição e resumo elaborados por João Emboava Vaz, com o auxílio de ferramentas de IA.