Centro Celso Furtado relembra visita de sua equipe ao ex-presidente uruguaio. Em 2017, uma pequena comitiva do Centro Internacional Celso Furtado foi até Montevidéu para entrevistar o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica. O encontro memorável resultou em uma publicação no períódico Cadernos do Desenvolvimento. Participaram da visita Roberto Saturnino Braga, Carmem Feijó, então diretor-presidente e editora-chefe da revista, e a jornalista Rosa Freire d’Aguiar. Agora, com a notícia da morte de Pepe Mujica, Rosa relembra aquele dia marcante e compartilha suas impressões em um depoimento pessoal que reproduzimos na íntegra abaixo.

Montevidéu, 2017 – Encontro na chácara de Pepe Mujica. Da esquerda para a direita Carmem Feijó, Pepe Mujica, Saturnino Braga e Rosa Freire d’Aguiar.
Intérpretes do pensamento desenvolvimentista – Pepe Mujica
Foi em 2017 que, conversa vai conversa vem, o ex-senador Saturnino Braga teve a ideia de entrevistarmos o Pepe Mujica, para a revista “Cadernos do Desenvolvimento”, do Centro Celso Furtado. Lá fomos nós: Saturnino, então presidente do Centro, a economista Carmem Feijó, então diretora da revista, e eu. No dia seguinte à chegada a Montevidéu, pegamos um carro e fomos para a chácara Rincón del Cerro, onde Pepe Mujica morava desde a redemocratização do Uruguai e onde fez questão de continuar morando, longe da residência oficial, nos cinco anos em que foi presidente do Uruguai. (2010-15). Fomos recebidos pelo dono da casa, sorridente e despenteado, e por Lucía Topolansky, sua mulher, então senadora e vice-presidente do país. Casa pequena. Na saleta, meia dúzia de cadeiras desparelhadas em torno de uma mesa atulhada de papéis. Na cozinha/sala de jantar, Lucía conversava com um amigo e lavava a louça do café. Lá fora, o poço de onde tiravam a água. Flores e cachorros. Teto de zinco verde. Passamos muitas horas com Pepe Mujica. Embevecidos. Mujica respirava e transpirava política. Não dava a entender que tornaria a disputar uma eleição. Mas em 2019, disputou e venceu, elegendo-se senador da República. Naquele dia de nossa longa conversa, ele falou das fragilidades democráticas na América Latina, das ditaduras e regimes autoritários que regularmente nos derrubam e desfazem tudo o que exigiu anos de construção democrática; falou da liberação da maconha e do aborto — imensos avanços sociais que ele implantou no Uruguai –, do Brasil e do Mercosul. Mas também falou, nos deixando com voz embargada e olhos embaçados, da felicidade, dos afetos, da solidariedade, da juventude. Entre as tantas reflexões daquele homem notável, pinço algumas que ficaram aqui comigo, guardadas para sempre: – “Na prisão, o pior é a solidão. Foram anos de muita reflexão, sobre a vida, sobre mim mesmo. Galopei muito dentro de mim.” — “A sociedade precisa de mais tempo livre. Para as atividades de cultura, de pensamento, para os afetos: temos que cuidar dos afetos, dos filhos, dos parentes, de quem se ama”. Sábio Pepe Mujica, que hoje se vai para sempre.