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Da objetividade do economista


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Excertos do discurso de paraninfo proferido por Celso Furtado na colação de grau dos bacharéis da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, em 4 de dezembro de 1959. Cf. Subdesenvolvimento e Estado Democrático, de C. Furtado (Recife: Condepe, 1962). Leia o texto completo.
 

  • É tanto maior a responsabilidade dos homens de pensamento quanto mais intenso é o processo de transformação da sociedade em que vivem. Nessas sociedades, em rápida mudança, é que se torna possível a tomada de consciência dos grandes problemas sociais. (...) Ao economista, mais do que a outros estudiosos da sociedade, cabe exigir rigorosa definição de princípios.
     
  • A diferença fundamental entre nós e os economistas da geração que nos precedeu está exatamente nisso: não acreditamos em ciência econômica pura, isto é, independente de um conjunto de princípios de convivência social preestabelecidos, de juízos de valor. (...) Para o economista, objetividade consiste exatamente em compreender que o fenômeno econômico não pode ser captado fora de seu contexto e que para situá-lo nesse contexto são necessários juízos de valor que pressupõem a aceitação de princípios.
     
  • O conflito que alguns economistas brasileiros tiveram com os competentes teóricos do Fundo Monetário Internacional, no corrente ano [1959], ilustra claramente esse problema da objetividade. Os economistas do Fundo Monetário aceitam, como postulado, que nada é mais importante para um sistema econômico que um grau mínimo de estabilidade. Como todo postulado, esse resulta de observações empíricas, observações essas feitas em países de estruturas relativamente homogêneas.
     
  • Nessas estruturas, o crescimento econômico ocorre com um grau moderado de inflação. Ultrapassado esse grau, os critérios de racionalidade começam a falhar, reduzindo-se o crescimento ou aumentando o seu custo social. Em tais condições, a terapêutica para corrigir a inflação consiste, via de regra, numa redução do gasto público ou do investimento privado.
     
  • Transformar a estabilidade de meio em fim é colocar como princípio básico de convivência social a imutabilidade na distribuição da renda.
     
  • O que responde pela baixa taxa de crescimento de um país subdesenvolvido é menos um volume do investimento do que a inadequada orientação deste. É por essa razão que os adeptos do laisser faire nos parecem tão fora da realidade em um país como o nosso, particularmente nas regiões mais pobres. Nestas últimas, o laisser faire significa, simplesmente, a perpetuação da miséria.
     
  • Confrontando os resultados de nossa análise chegamos à conclusão de que, para que possamos auferir os autênticos benefícios do capital estrangeiro — aqueles derivados do influxo da tecnologia em permanente renovação — necessitamos de uma política disciplinadora da entrada desses capitais. Permitir o seu influxo desordenado será seguramente privar o país, no futuro, das reais vantagens da cooperação desses capitais em setores de tecnologia menos acessível.
     
  • Não somente financiar os investimentos infra-estruturais torna-se tarefa complexa, mas também orientá-los. O governo, a quem cabe reunir os recursos para financiar esses investimentos, ainda não se aparelhou, entretanto, para orientá-los adequadamente. Resulta, daí, forte baixa na eficiência de tais investimentos. Considero que o passo mais importante a dar no aperfeiçoamento de nossa política econômica consiste em disciplinar, com muito mais rigor, o investimento público. Essa disciplina pressupõe cuidadosa análise das tendências e potencialidades da economia nacional (...) A iniciativa privada, exercendo as suas expectativas num campo assim iluminado pelos programas a mais longo prazo dos investimentos infra-estruturais, poderia aumentar amplamente sua eficácia.
     
  • Necessitamos realizar um grande esforço para rever aquilo que ensinamos nas universidades sobre a teoria dos investimentos. Em nenhum setor da teoria econômica o preconceito do laisser faire nos tem sido tão prejudicial como neste.
     
  • Tornamos, assim, à questão inicial da objetividade na ciência econômica. Como formular uma teoria objetiva dos investimentos, públicos ou privados, se não aceitamos de antemão alguns princípios relacionados com a ação do Estado na orientação do desenvolvimento social? O que nos tem faltado é tão somente uma discussão aberta desses princípios, discussão que faça emergir uma autêntica doutrina do desenvolvimento nacional, capaz de aglutinar o esforço construtivo dos homens de pensamento.
     





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