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Fotos do 2º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado


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Fotos: Centro Celso Furtado/Carlos Will

     
 Abertura: Roberto Saturnino Braga, Luciano Coutinho e Rosa Freire d'Aguiar    Sessão de abertura   João Carlos Ferraz apresenta o conferencista José Antonio Ocampo  
           
Conferência de José Antonio Ocampo   Vera Cepêda, Wilson Vieira e Theotonio dos Santos   Marcio Pochmann, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Ademar Ribeiro Romeiro  
           
 Ruben Lo Vuolo, Cristina Cacciamali, Lena Lavinas e Mario Velasquez   Sala com debate   Arturo Guillen e Wilson Cano   
           
 Deepak Nayyar    Marcos Formiga     Carlos Medeiros  
           
 Célia Lessa, Carmem Feijó e Carlos Medeiros    João Carlos Ferraz e Nelson Barbosa   Roberto Pereira D'Araujo, Adilson de Oliveira, André Furtado e Sergio Bajay   
           
 Eduardo Fagnani   Fernando Cardim de Carvalho    Dulce Pandolfi  
           
 Ennio Candotti    Daniel Aarão Reis Filho, Roberto Saturnino Braga, Deepak Nayyar e Anna Jaguaribe   Conferência de Deepak Nayyar   
           
 Deepak Nayyar    Maria Fernanda Ramos Coelho   Aldo Ferrer   
           
 Maurício Coutinho, Luiz Carlos Delorme Prado, Mauro Boianovsky e
Jaques Kerstenetzky
  George Kornis, Marcos Dantas e Cesar Bolaño    Luiz Carlos Bresser-Pereira, Roberto Saturnino Braga,
Maria da Conceição Tavares e
Maria Malta 
 
           
 Maria da Conceição Tavares    Tania Bacelar    Afrânio Garcia  
           
 Ana Célia Castro, Alexandre Gomide, Renato Boschi e
Flávio Gaitán
   Samuel Pinheiro Guimarães, Maria Fernanda Ramos Coelho,
José Carlos de Assis e Aldo Ferrer
   Francisco Eduardo Pires de Souza, Marcelo Terrazas, Tania Bacelar, Fran Bezerra, Paulo Evangelista e Romulo Couto  
           
 Paulo Nogueira Batista Jr.   Marcos Costa Lima, Aldo Ferrer e Rosa Freire d'Aguiar   Afrânio Garcia, Marcos Costa Lima, Aldo Ferrer, Rosa Freire d'Aguiar, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, Carlos Brandão e Luiz Felipe de Alencastro  
           
 Marcos Costa Lima  

 Ângelo Oswaldo de Araújo 

  Carlos Brandão   
           

 Afrânio Garcia, Marcos Costa Lima, Aldo Ferrer, Rosa Freire d'Aguiar, Roberto Saturnino Braga, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos,
Carlos Brandão e
Luiz Felipe de Alencastro

  Deepak Nayyar autografa
seu livro na Cultura 
  Deepak Nayyar e
Rosa Freire d'Aguiar 
 
           
Auditório    Auditório   Sala com debate  
           
           

   

Um novo desenvolvimento para uma nova democracia
 
José Antonio Ocampo*
 
Discorrendo sobre economia e democracia, José Antonio Ocampo abriu sua apresentação lembrando que, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), há três elementos fundamentais numa democracia: eleições livres; expansão da cidadania nas dimensões civis, políticas e sociais; e consolidação das instituições republicanas com divisão e controle mútuo dos poderes, serviço público moderno e mecanismos de prestação de contas.

Ele observou que, nos últimos anos, tem havido uma tensão entre a democracia representativa e a participativa. Para Ocampo, é essencial continuar ampliando os espaços de participação da sociedade civil, no sentido de torná-la mais densa. A forma mais tradicional de participação é o sindicalismo, mas há múltiplas novas formas de organização, incluindo, especialmente, as de caráter ambiental.

“A sociedade civil eclodiu em todos os lugares do mundo, querendo participar, fazer parte de organizações não-governamentais. A representação da democracia tem uma maneira de dizer quem precede a quem, mas isso não ocorre na sociedade civil, na qual a questão é quem representa quem”, afirmou Ocampo.

Ele reiterou que essa tensão tem de ser resolvida. A grande vantagem desse processo é a introdução de uma nova agenda. A principal desvantagem seriam os problemas de representação. Ocampo defende que os partidos não só se renovem, como também adotem uma nova agenda. Para ele, o pior que pode acontecer é que os partidos sejam substituídos pelo personalismo. “A personalização da política é uma tentação do continente latino-americano”, observou.

Ocampo alertou que há outras formas de tensão na democracia. A mais tradicional é a do controle do poder local. Para ele, o controle democrático do poder local é fundamental, dado o peso do clientelismo. Mas reforçou que a centralização não é solução, e sim a criação de uma sociedade civil forte em âmbito local.

A outra tensão é a de tecnologia versus democracia. A ideia de que as formas tecnocráticas de governo são mais eficientes está muito arraigada no pensamento ortodoxo. A construção de um serviço público moderno é questão-chave, mas é preciso ficar claro que o serviço público organiza o Estado, mas tem que responder orientações políticas.

“A ideia é a de que há muitas falhas do governo e de que devemos permitir a entrada do setor privado no serviço público. Mas os serviços privados devem responder à democracia, pois não há evidência de que, por si, só sejam superiores”, argumenta. Ele observa que as associações público-privadas têm um papel, mas há diversidade de experiências. “Nada substitui a construção de capacidades estatais”, afirma.

Entre as eventuais falhas do governo estaria a prevalência de critérios e susceptibilidades políticas. Já as falhas do mercado incluem concentração do poder econômico. A inclinação do pensamento econômico ortodoxo tem sido por sistemas de prestação de serviços privados sob regulação pública. Mas, para Ocampo, essa não tem sido a melhor solução.

A grande tensão relacionada por Ocampo é a que ocorre entre tendências sociais e econômicas. No seu entender, a relação essencial entre as duas áreas é a concretização dos direitos. Nesse sentido, a América Latina mostra tendências positivas em alguns caos recentes, e, em outros, remontam aos anos 1990, embora ainda haja muito a fazer. Ele lembra que o desempenho econômico tem sido lento e instável desde as reformas. O boom econômico do período entre 2003 e 2007 é uma exceção.

Nesse sentido, Ocampo defende a necessidade de uma nova economia para una nova democracia: uma economia que se baseie no conhecimento e que acompanhe os avanços sociais. Para ele, a cidadania econômica e social é o grande vínculo entre economia e democracia. A expansão da democracia e o aumento dos gastos públicos sociais provocaram uma melhora significativa nos indicadores de desenvolvimento humano na América Latina.

Segundo dados da Cepal, os gastos públicos sociais saltaram de pouco mais de 9% do PIB, em 1990, para 15% em 2010. Nos últimos dez anos, especialmente, houve melhoria nos mercados de trabalho, na redução da pobreza, na expansão da classe média e numa maior distribuição de renda. Mas é necessário melhorar a qualidade dos serviços sociais e ampliar o alcance do seguro social. Além disso, em que pesem os avanços, a desigualdade continua sendo muito alta. Em 2013, havia 164 milhões de pobres na região, 61% a menos que em 2002, porém mais do que em 1980.

Ocampo destaca que a melhoria do mercado de trabalho a longo prazo está relacionada à combinação de dois fatores. O primeiro é o menor ritmo de crescimento da força de trabalho. A população economicamente ativa crescia a 3% ao ano até 1995 na região. A partir de 2008, a taxa de crescimento passou a ser inferior a 2%. O outro fator é a melhoria dos níveis de educação. Desde 2002, houve uma tendência de aumento no número de anos de estudo, em média 13 anos hoje. Assim, a região está deixando de ser abundante em mão de obra não qualificada.

O grande problema é que a economia não responde aos avanços sociais. Persiste o problema básico de lento crescimento associado a um padrão adverso de câmbio. A suposição de que a inserção dinâmica nos mercados mundiais traria crescimento mais acelerado acabou não se cumprindo. O auge experimentado entre 2003 e 2007 – o melhor em três décadas – teve fatores externos como elevação dos processos de produtos básicos, crescimento acelerado do comércio internacional, acesso a boas condições de financiamento externo, aumento dos fluxos migratórios e consequente aumento das remessas. Mas a crise de 2008 trouxe de volta o baixo crescimento.

Ocampo observou que há forças e fraquezas no cenário atual. Como fortaleza, ele destaca a melhoria do endividamento – o que tem permitido uma melhor política monetária – e o aumento nas taxas de investimento, embora ainda haja lacunas no setor de infraestrutura. Entre as fraquezas está a excessiva dependência do comércio internacional. “Temos de deixar de achar que o comércio internacional é a solução e focar nos mercados domésticos”, diz Ocampo.

Outro aspecto negativo é o que parece ser o fim do período de boom dos preços das commodities. Além disso, o aumento da dependência dos produtos básicos e a crescente desindustrialização têm levado a uma reprimarização da economia.

Para Ocampo, o grande problema da América Latina é o atraso tecnológico. No período de 1996 a 2007, a região foi responsável por um índice 0,5 no número de patentes por milhões de habitantes, ante 65,4 nos países desenvolvidos e 30,5 nos emergentes da Ásia e 132,6 nas economias maduras.

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*José Antônio Ocampo foi ministro da agricultura e da fazenda e diretor de planejamento nacional da Colômbia. Na esfera internacional, atuou como diretor executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), e como secretário-geral adjunto das Nações Unidas. Colaborou com o Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. Hoje é professor na Columbia University (EUA).
 
 
Assista ao vídeo da Conferência de José Antônio Ocampo 
 
 
 
 BRICS, um novo fundo monetário, um novo banco de desenvolvimento
 
Paulo Nogueira Batista*
 

Paulo Nogueira Batista destacou, em sua conferência no 2º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado, que a aliança dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – visa à cooperação com objetivos muito mais geopolíticos do que econômicos e financeiros. Ele frisou que a aglutinação dos cinco países em uma aliança de cooperação é algo muito recente.

 
“Quando cheguei em Washington, em 2007, os BRICS não existiam. Essa aliança começou a se formar em 2008, por iniciativa da Rússia, cujo diretor no FMI procurou, para essa finalidade, os outros três países em desenvolvimento: Brasil, Índia e China. A África do Sul entrou para o grupo em 2011. A aliança foi crescendo, consolidou-se e culminou na Cúpula dos Líderes dos BRICS, em Fortaleza, com a criação de um banco de desenvolvimento e de um arranjo contingente de reservas (um novo fundo monetário). Mas os interesses não são econômicos e financeiros – embora os acordos tratem disso –, e sim políticos, com vistas à atuação conjunta no campo da governança internacional”, diz Nogueira.
 
Para o diretor do FMI, nenhum dos cinco países estava acostumado a uma coordenação inter-regional. Mas ele salientou que essa aliança “estranha” entre países tão distintos – dos pontos de vista histórico, étnico e cultural – deu-se porque esses países notaram que há um descompasso crescente entre a governança internacional e a realidade econômica global que começou a surgir no final do século 20. China, Rússia, Índia, Brasil e África do Sul são países que estão crescendo em importância relativa em termos econômicos, mas isso não se traduz numa mudança no quadro institucional e da arquitetura financeira internacional.
 
Ele reconhece que é comum que os processos econômicos corram à frente das mudanças institucionais e políticas. Mas esses descompassos tendem a gerar tensões mais ou menos graves, frustrações e descontentamentos. Paulo Nogueira Batista classificou a governança internacional atual como um “não-sistema” que não representa a realidade contemporânea.
 
“Esse não-sistema internacional é governado por um grupo formado pelos países que emergiram após a Segunda Guerra Mundial: de um lado os EUA, e do outro a União Europeia – incluindo os derrotados que se recuperam como Alemanha e Japão – o antigo G-7. Esses países criaram um arcabouço mundial que, no campo financeiro, se traduz em instituições sediadas em Washington, como o FMI e o Banco Mundial, que estão tendo dificuldades de se adaptarem aos novos tempos”, afirmou.
 
Ele observa que todos os BRICS participam desses organismos – FMI, Banco Mundial OMC, ONU – mas, no quadro atual, embora atuem ativamente, não sentem que a sua presença e seu poder decisório condizem com a mudança do peso relativo dos países. Nogueira Batista cita o exemplo do FMI e do Banco Mundial, nos quais o sistema de votação é tal que, quando as decisões são tomadas por maioria simples, basta se reunirem os EUA, a Europa e mais o Canadá e a Austrália para decidir.
 
“Em grande parte das decisões, eles podem nos atropelar e atropelam mesmo. Um exemplo é o caso da Ucrânia, onde foi votado um programa que não se sustentava. Não durou muito tempo e será completamente reformulado. As chances de que as vozes políticas sejam ouvidas são mínimas. Se o Banco Mundial decidir que determinado país não merece mais empréstimos, a coligação G-7 consegue impor essa decisão”, lamenta.
 
Nogueira Batista ressalva que isso não significa que os BRICS queiram romper com os acordos de Bretton Woods e sair dessas instituições. O fato de estarem tão empenhados em transformar o FMI e o Banco Mundial é um grande sinal da importância que atribuem às instituições multilaterais.
 
“Os BRICS só querem ter uma influência maior e mostrar que diferença fazem para o mundo. Vivemos um momento em que EUA e Europa perdem peso relativo, e esse processo de mudança foi acelerado pela crise de 2008. Eu tive a sorte de ir para Washington naquele momento de transição, e foi uma experiência muito rica, com a perda de peso relativo do G-7, especialmente no auge da crise em que a coordenação foi substituída pelo G-20”, recorda.
 
Ele diz que o ponto em comum entre os BRICS não é só o fato de que são países em desenvolvimento, mas especialmente porque são países de grande porte do ponto de vista geográfico e demográfico, e por isso têm capacidade de atuar com autonomia. Ele cita o caso do Brasil, que utilizou outros grupos como mecanismo de coordenação para fazer valer seus interesses, e não os países vizinhos latino-americanos que ou não têm autonomia ou não têm porte e engajamento suficiente com a economia internacional para não quererem “virar a mesa”.
 
“Os BRICS não querem conflito com o FMI ou com o Banco Mundial, nem ‘virar a mesa’. Eles querem participação, mas não encontram compreensão por parte dos EUA e da Europa. Os americanos, por exemplo, são tão orgulhosos que, mesmo quando comprometidos, têm muita dificuldade de atuar em conjunto. Eles estão habituados a atuar como eles próprios se definem: ‘como um país especial’” diverte-se Nogueira, que ressalta que os americanos estão com dificuldade de atuar internacionalmente, e que não está sendo fácil para eles acostumarem-se que não são mais o centro do mundo, embora ainda se portem como se o fossem.
 
“Os EUA não se acostumam com o fato de que não vivemos mais num mundo unipolar, que veio depois do fim da União Soviética. Aquele período passou e não vai voltar. A China será maior do que os EUA em termos absolutos, mesmo que demore a superá-lo em outros aspectos como PIB per capita e culturalmente”, reforçou Nogueira.
 
Esse foi o pano de fundo para o surgimento dos BRICS, que vivenciaram duas fases desde a sua criação como aliança política. A primeira, de 2008 a 2011, foi a etapa de coordenação com o G-20, o FMI e o Banco Mundial. Os primeiros encontros se deram mais regularmente com as cúpulas: o primeiro foi na Rússia, e o mais recente em Fortaleza, presidido pelo Brasil. Mas para Nogueira Batista, a fase mais interessante começou em 2012, quando na cúpula de Nova Deli, os BRICS decidiram estudar, por iniciativa da Índia, a criação de um banco de desenvolvimento. Poucos meses depois, na reunião de Los Cabos, no México, foi lançada a ideia de criação de um fundo, intitulado Arranjo Contingente de Reservas, uma espécie de Fundo Monetário dos BRICS, iniciativa sugerida pelo Brasil.
 
“Houve uma boa acolhida, mas foi um processo muito difícil para se chegar a um entendimento entre os cinco países e fazer algo que fosse sério e sólido, o que culminou, em Fortaleza, com a assinatura do tratado para a criação do banco dos BRICS e do Arranjo Contingente de Reservas. Não é fácil colocar em uma mesa de discussão cinco países soberanos, sem experiência de fazer mecanismos desse tipo”, afirmou Nogueira.
 
Nogueira Batista diz que o banco é menos inovador em termos de estrutura, mas será importante porque tem um potencial transformador se for bem trabalhado na sua fase de implementação. A relação entre essas duas iniciativas e as instituições de Bretton Woods é de ambivalência. Por um lado, elas foram criadas para atuar, quando necessário, de forma cooperada com o FMI e o Banco Mundial. Por outro, há uma relação de competição, uma tensão que reflete insatisfação.
 
“Se o FMI e o Banco Mundial estivessem funcionando bem, não precisaríamos nos dar ao trabalho de criar esses novos mecanismos. Fortaleza ficará para a história como o que Bretton Woods representou para o Banco Mundial e o FMI”, resume.
 
Nogueira Batista alertou, no entanto, que o processo está apenas começando. Os tratados foram assinados, e agora há o trabalho duro e menos charmoso de colocar as instituições para funcionar. O fundo monetário dos BRICS terá US$ 100 bilhões de recursos, dos quais US$ 41 bilhões colocados pela China, US$ 18 bilhões pelo Brasil, Índia e Rússia, cada um, e US$ 5 bilhões pela África do Sul.
 
Ele explica que foi difícil formular esse tratado porque havia poucas referências, a não ser os acordos bilaterais entre os bancos centrais e o FMI. Ocorre que o Arranjo Contingente de Reservas dos BRICS, além de ser menor do que o FMI, tem uma característica peculiar: são recursos virtuais que ficarão com os bancos centrais dos cinco países e só serão mobilizados se houver um pedido de um dos países, conforme estabelecido nas regras do tratado. Cada país tem um limite de acesso. O Brasil, por exemplo, pode pedir até US$ 18 bilhões, mas ao fazê-lo sai do pool de provedores potenciais de recursos e passa a ser um request partner.
 
Há ainda uma vinculação com o FMI, inspirada no acordo de Xangai, que envolve a China e dez outros países asiáticos. O acordo determina que para um país acessar mais de 30% do seu teto máximo, precisa recorrer a esse acordo vinculado ao FMI. “Tentamos encontrar um equilíbrio, porque não temos capacidade nem interesse de ficar impondo condições a um país que precisa de ajuda. Por isso fizemos essa vinculação. Trata-se de uma forma de terceirizar a supervisão. Pode ser que, no futuro, os BRICS evoluam para criar uma unidade própria, com sede, funcionários, produzindo relatórios. Mas ainda é cedo para isso”, diz Nogueira.
 
Ele informa que o Arranjo de Contingência de Reservas tem dois instrumentos: um preventivo e um de liquidez, que vai funcionar na base de swap de curto prazo. Trata-se de uma proposta cautelosa, feita com muito cuidado porque os países estão pisando num território que não conhecem. O único que tinha participação em um arranjo semelhante é a China. Brasil e Índia tinham acordos bilaterais de swaps, mas não tinham experiência em acordos multilaterais. A ideia é que esses países não precisem pedir apoio financeiro ao fundo, que terá um conselho de governadores em nível ministerial e um comitê operacional.
 
A atuação do fundo será baseada nas capitais, pelos bancos centrais e ministérios de finanças. A ideia é que o banco empreste a outros países em desenvolvimento e seja aberto à participação acionária de outros países não integrantes do BRICS. Além dos US$ 100 milhões autorizados, o banco terá uma capacidade de empréstimo ainda superior, haja vista que será considerado o fator alavancagem. Para os BRICS, o valor é de US$ 50 milhões, divididos igualmente entre os cinco membros. Portanto, o poder dos cinco é igual, embora os chineses quisessem que o poder de voto fosse proporcional ao tamanho econômico de cada país.
 
“É importante ressaltar que, embora a China tenha uma participação de 41% no Arranjo de Contingência de Reservas, quase todas as decisões são tomadas por consenso, exceto duas que são cruciais: a aprovação e a renovação de pedidos. Porém, nesses casos, a China não decide sozinha”, destaca Nogueira Batista. No caso do banco, os países insistiram para que a China não tivesse um peso maior. Após muitas discussões, a China se conformou, mas, em troca, exigiu que a sede fosse Xangai. Haverá também um escritório regional em Joanesburgo e outro no Brasil.
 
O novo banco terá um amplo rol de atuação e vai apoiar projetos públicos e privados com financiamentos, empréstimos e cofinanciamento com outros bancos, garantias e participação acionária. Além disso, será aberto à participação de outros países. “Antes mesmo da assinatura do tratado, os países do grupo que represento no FMI procuraram saber como podem participar”, informou Nogueira.
 
Cabe ressaltar que haverá duas modalidades de participação no fundo para países em desenvolvimento além dos BRICS: uma na condição de sócio, e outra na condição de não sócio. Os países avançados, por sua vez, também podem se tornar sócios do banco, mas não podem ser tomadores. Por precaução, estabeleceu-se que os BRICS não poderão ter menos de 55% do poder de voto, cabendo aos países desenvolvidos o máximo de 20% do poder de voto; e nenhum país não BRICS poderá ter mais de 7% dos votos.
 
O próximo passo a ser tomado pelos BRICS é ratificar os tratados assinados em Fortaleza. No caso de Brasil, Rússia e África do Sul, o acordo tem que passar pelo Parlamento. Há pela frente todo um processo de detalhamento operacional muito trabalhoso. Para Nogueira Batista, essa etapa precisa avançar rapidamente, para evitar que a demora permita àqueles que desejam travar o processo, começem a propor mudanças naquilo que já foi definido no tratado.
 
“Como integrante dos BRICS, o Brasil tem a oportunidade de mostrar a sua importância para o resto do mundo, uma vez que pode ter uma voz mais ativa na governança internacional”, defende Nogueira Batista.
 
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* Paulo Nogueira Batista é economista formado pela PUC-Rio e mestre em História Econômica pela London School of Economics. É diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) representando os seguintes países: Brasil, Cabo Verde, República Dominicana, Equador, Guiana, Haiti, Nicarágua, Panamá, Suriname, Timor Leste e Trindade e Tobago. Foi secretário do Ministério do Planejamento, assessor especial para assuntos de dívida externa do Ministério da Fazenda, chefe do Centro de Estudos Monetários e de Economia da FGV-RJ, professor e pesquisador da FGV-SP. É autor de várias publicações e artigos econômicos.
 
 
 
Assista ao vídeo da Conferência de Pauno Nogueira Batista Jr. 
 
 
 
Globalização e democracia
 
Deepak Nayyar*
 
Deepak Nayyar abriu a sua conferência afirmando que o fenômeno da globalização na economia mundial, a partir de 1980, coincidiu com a propagação da democracia política em todos os países. Ele observou, no entanto, que ao longo do tempo as economias foram se tornando globais, porém, as políticas permaneceram nacionais. Ele também alertou que a relação entre a globalização e a democracia é dialética e que, portanto, não se conforma com “caricaturas ideológicas”.
 
De acordo com Deepak, a globalização – no que concerne ao campo econômico – se refere à expansão de transações e à organização de atividades através das fronteiras políticas dos Estados, e isso pode ser definido como um processo de crescimento associado a uma abertura comercial com aumento da interdependência e o aprofundamento da integração mundial. “Mas é preciso entender que a globalização é um fenômeno multidimensional. Suas implicações e consequências não estão confinadas apenas à economia, se estendem também, por exemplo, à dimensão política”, alerta.
 
Para Deepak, a globalização também apresenta forças e fraquezas no âmbito da democracia política dos países em desenvolvimento e nas economias em transição. Tal democracia política é baseada, principalmente, em processos eleitorais, ainda que alguns não tenham os direitos ou as liberdades políticas que a democracia deve assegurar a todos os cidadãos. De três décadas para cá, isso tem representado mudanças para regimes autoritários de países em desenvolvimento.
 
“A expansão geográfica da democracia atingiu Ásia, América Latina e África. É claro que as eleições nem sempre são livres e justas, e, apesar dos regimes autoritários terem sido banidos, ainda há muitos em plena atividade. Na maior parte dos países de regime autoritário ainda são crescentes as aspirações pela democracia”, salientou.
 
Para Deepak, não há dúvida de que as desigualdades sociais e econômicas exercem uma importante influência na qualidade da democracia, não apenas em cada país, individualmente, mas também entre os países, no âmbito da economia global. Ele argumenta que o direito de voto não garante que os cidadãos sejam iguais no contexto dos seus países, assim como não torna os países parceiros na economia mundial. Mesmo assim, é fundamental reconhecer a coexistência da tensão essencial entre mercados e democracia.
 
“Em uma economia de mercado, as pessoas votam com o seu dinheiro. O princípio subjacente é de um dólar, um voto. Já em uma democracia política, o que funciona é uma pessoa, um voto. A distribuição de votos, ao contrário da distribuição de renda ou bens, é igual. Um adulto tem direito a um voto na política, mesmo que uma pessoa rica tenha mais votos, em termos de poder de compra, no mercado”, explica Deepak.
 
Ele também observa que há uma assimetria relacionada entre economia e política que pode agravar ou contrariar tensões. “Aqueles que são excluídos pela economia de mercado são incluídos por políticas de democracia. Os ricos, por exemplo, podem dominar a economia de mercado com seus rendimentos e patrimônios; mas os pobres têm uma voz forte em uma democracia política, em termos de votos. Esse descompasso pode resultar em freios e contrapesos”, adverte.
 
Deepak observa que alguns atributos da globalização também reduzem o espaço para a democracia política. Ele explica que isso pode ocorrer por, pelo menos, três razões. Em primeiro lugar, as regras globais e os mercados financeiros exercem significativa influência sobre o que os governos podem ou não fazer em termos de políticas fiscal, monetária, comercial, industrial e cambial, sempre na busca de objetivos nacionais. Nesse sentido, as decisões econômicas nem sempre estão alinhadas aos interesses da sociedade.
 
Em segundo lugar, a prestação de contas – ou até mesmo a confiança – dos governos é dividida e se estende das fronteiras nacionais para regras multilaterais, corporações multinacionais e mercados financeiros internacionais. Para as economias vulneráveis, mesmo as agências de classificação de crédito tornam-se maiores que a vida real. E em terceiro lugar, a prestação de contas dos governos para aqueles que os elegeram e os quais representam é absolutamente corroída.
 
“No mundo ideal, a prestação de contas à sociedade é, por si só, uma prioridade. É evidente que os mercados e a globalização reduzem o espaço da política econômica para os Estados. Mesmo assim, existe uma certa diluição da política democrática em termos de objetivos a atingir pelos governos e sua responsabilidade para com as pessoas.
 
De acordo com Deepak, a grande questão é verificar se a democracia política no âmbito dos Estados pode de fato fornecer freios e contrapesos vis-à-vis os mercados e a globalização. “Trata-se de uma questão natural, que em geral não é abordada”, alerta.
 
Como solução, ele propõe a ampliação e o fortalecimento da democracia política por meio de tecnologias que permitem à sociedade o acesso à informação e à capacidade de se comunicar. “Essas tecnologias empoderam o cidadão e são propícias à mobilização política sobre questões de mercado e globalização”, concluiu.
 
Quando os economistas dão por resolvida a questão que relaciona mercado e democracia, Deepak Nayyar aponta para as tensões, contradições e a dialética entre os dois termos; um questionamento relevante, tendo em vista os rumos da economia mundial que tem ampliado o descrédito das sociedades com os governos e o desencanto com a realpolitik.
 
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* Deepak Nayyar é professor emérito da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Deli. Lecionou em Oxford, onde se doutorou; em Sussex e na New School for Social Research, de Nova York. Integrou os quadros do World Institute for Development Economics Research de Helsinque (Finlândia), do South Centre em Genebra (Suiça), do Social Science Research Concil. Ocupou funções de governo na Índia. É autor, entre outros, de Trade and Globalization (2008), Liberalization and Development (2008) e A corrida pelo crescimento, seu primeiro livro publicado no Brasil.
 
 
 
Assista ao vídeo da Conferência de Deepak Nayyar

 

Textos escritos por Carmen Nery.

 






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